O reflexo dos outros 

O reflexo dos outros 

Existe algo mágico em São Paulo sobre seus habitantes. Há quem diga que é a diversidade brasileira, outros que é a herança dos milhares de imigrantes e emigrantes que subiram os pilares dessa cidade. Entretanto, o que se encontra aqui vai muito além do que se vê em outros lugares. Há algo particular e intrigante nas pessoas que transitam todos os dias pelas ruas da metrópole. 

Uma vez que pisa aqui, é conduzido a escolher a sua tribo, e isso vai traduzir muito o que você é e o que você faz. Suas roupas vão deixar claro de qual parte da cidade você pertence, e as tatuagens no seu corpo vão transparecer a história que você está disposto a contar. Vai perceber que ninguém se parece com ninguém, mas todo mundo compartilha algo em comum. 

As subculturas aqui não só são inúmeras como também se mesclaram e criaram outras. É comum ver um grupo de pessoas que agrega características de um nicho e mistura a outro. Como os skatistas da praça Roosevelt que escutam Funk, os hippies da Paulista que gostam de Café Latte, os GenZ que saem do seu celular para beijar mais de 72 pessoas na Liberdade, e os Farias Limers que… Se mantêm firmes em sua ideologia. 

Eu nunca me vi dentro de uma tribo, ou pertencente a uma subcultura. Por exemplo, eu nunca me entendi como uma entusiasta da moda mas sempre lia algo aqui ou lá que me faz ficar por dentro desse universo. Sempre gostei de movimentar meu corpo e gastar o máximo de energia possível, mas estou longe de ser atleta. Eu prefiro frequentar lugares alternativos, porém, para os reais alternativos, os lugares que eu vou são padrão. 

Distraída com a cidade após uma longa corrida no parque Ibirapuera, eu me peguei ouvindo a conversa de duas pessoas que não pareciam se importar com o volume de voz. Enquanto eu apreciava meus 300ml de água de coco, a dupla berrava, não deixando outra saída a não ser escutar o que eles estavam conversando. Entre uma frase ou outra, a mulher que sentava com um cachorro ao seu lado falou algo que me chamou atenção. Na tentativa de concluir a discussão com o seu par, ela disse: “Me diz com que andas e direis quem tu és”. 

Esse provérbio está longe de ser uma novidade para mim. Acredito que desde muito nova eu ouço as pessoas repetirem essa frase como se fosse uma verdade absoluta. Contudo, naquele momento, eu senti uma pontada de curiosidade que me fez questionar sobre a veracidade disso. Será que as pessoas com quem eu ando e o que elas fazem definem quem eu sou? Será que somos reflexo das pessoas que temos próximo a nós, ou será atraímos pessoas que compartilham das mesmas ideias que nós? 

Segundo Jim Rohn, um coach disfarçado de autor americano, um indivíduo é a média das cinco pessoas com quem mais convive. As ações, posicionamentos e até costumes, são definidos pela realidade pela qual está cercado. Sendo assim, a chance de desenvolver características ou até mesmo opiniões semelhantes àquele que está ao lado, é muito alta. 

Na medida que me perdia em meus pensamentos, recebi uma ligação de Andrew. Já faz alguns dias desde a última vez que tínhamos conversado. Desde que o fuso horário mudou para quatro horas de diferença, nosso contato tinha reduzido significativamente. Sempre que ele tenta me ligar eu ainda estou dormindo, e quando eu tento entrar em contato, ele está se preparando para dormir. Mas naquele dia, ninguém tinha motivos para não conseguir falar. 

À medida em que nós atualizamos dos acontecimentos, notamos que muita coisa já tinha desenrolado em poucas semanas. As notícias que pareciam antigas ainda eram novidade para o outro. 

Andrew me contava sobre o seu retorno a Londres depois de uma temporada em seu país natal. Desde que inesperadamente teve que passar um período na Polônia, ele notou que sua perspectiva tinha mudado. Em poucos dias ficou evidente para que ele tinha deixado para trás uma parte de si para se encaixar à realidade do Reino Unido. 

Assim como em São Paulo, a cidade de Londres possui habitantes de diversos cantos do mundo. Por estar localizada no centro do globo, é possível encontrar pessoas de todos os continentes e, principalmente, da União Europeia. Mesmo que a capital mantenha suas tradições antigas e seja estruturada de um governo parcialmente Monárquico, as pessoas que ali estão moldam ativamente novas culturas que mantêm a cidade viva.

No que eu pude entender na conversa com Andrew, ele estava esgotado da rotina britânica. Tudo o que fazia tinha perdido o sentido, e até as pessoas na qual convivia, ele já sentia uma inadequação ao sair com elas. Claro que isso não veio de uma hora para outra, foi um processo até ele enxergar que ele não mais se satisfazia com a vida que estava levando, e sabia que só tinha uma forma de mudar isso.  

Imediatamente questionei se ele acreditava que era moldado pelas pessoas próximas a ele. Sem nenhum rastro de dúvida, ele concordou que é quase impossível não ser influenciado, afinal, é a partir do seu grupo que você desenvolve uma vida social. Ele citou que era como ter amigos que ama arte e cultiva o hábito de ir a galerias e museus. Pode ser que você nem conheça muito sobre o assunto, mas a partir do momento que você se aproxima dessas pessoas você começa a absorver parte da realidade delas e, automaticamente, se juntar a aquilo.

A partir do momento que ele me disse aquilo, tudo pareceu muito óbvio para mim. Somos como esponjas que o tempo todo absorve aquilo que chega até nós, se não temos contato com algo, é quase que impossível saber que aquilo existe. O que eu não conseguia compreender é se existe alguma autonomia perante aquilo que nos rodeia. 

Ainda sem muita clareza sobre isso, eu me despedi de Andrew quando sentimos que não tinha mais nada a ser dito, e sai de casa. Eu caminhei algumas quadras até chegar na Avenida Paulista. Ao passar pelas escadarias da Cásper eu avistei os estudantes de comunicação, que se dividiam em grupos ao redor do edifício. Naquele momento, como um insight, eu consegui endereçar os meus questionamentos.

Como quando somos adolescentes, nós queremos pertencer, fazer parte de algo e poder compartilhar nossas ideias e vontades. No início, nos perdemos em pessoas que não fazem muito sentido para nós, pois ainda não temos repertório para saber o que realmente gostamos e quem realmente somos. O tempo vai passando e vamos filtrando e, consecutivamente, nos conhecendo melhor. A partir disso, nos conectamos com pessoas que fazem sentido para nós naquele momento. 

Apesar de existir uma influência, isso não muda nossa essência. O que existe dentro de cada indivíduo é único. Talvez podemos dar a chance de conhecer coisas novas e nos aventurar por coisas que antes nem imaginávamos. Porém, isso não define quem somos, mas manifesta o que estamos vivendo naquele momento. O que reflete no outro é o que temos em nós. 

A.M.

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