Três atos

Era uma terça-feira comum. Não tinha muitos planos e muito menos pretensões de que algo mudaria o curso do meu dia; porém, fui atravessada por algo que não esperava. Viver em São Paulo é assim: constantemente tentar adivinhar que roupa vestir para o trabalho e quase todas as vezes errar; ter certeza de que vai chover e não cair uma gota do céu; perder o ônibus ou pegá-lo no instante em que chega ao ponto. Tudo é imprevisível, mas essa imprevisibilidade sempre é previsível.

Sem muita vontade de sair de casa, me vi obrigada a andar até a estação do metrô, trocar de linha e errar a saída do cinema Belas Artes. Tudo isso porque eu tinha inventado de ir a um debate sobre filmes que pautam a agenda da COP. Sei lá, não fazia muito sentido, mas eu sabia que haveria comidinhas e Campari de cortesia – algo que, quando se está no limbo das dívidas, se torna um passeio necessário.

Nesse dia, Pietro me acompanhou, o que me ajudou a pensar que, se o papo fosse muito cabeça, pelo menos poderíamos dar boas risadas. Assim, pegamos nossa pipoca e eu, o drink que valia dez vezes mais que o valor do transporte até lá. Fomos apresentados aos participantes da noite e, logo de cara, fiquei obcecada com o colar impecável da apresentadora e, também, criadora do projeto.

Eles apresentaram diversos títulos do cinema, alguns mais recentes, outros não tantos, e a cada trailer abordavam o assunto como algo para enxergarmos o que estava, está e estará acontecendo no planeta se não tomarmos ações – e quando digo nós queremos dizer autoridades que fingem que nada está acontecendo. Muitas das coisas faziam muito sentido, outras eram papo de bar, mas sempre traziam pontos de vista novos para coisas que nós, meros mortais, estamos cansados de ouvir.

Foi então que, quase no final da discussão, um dos participantes da roda de conversa trouxe um pensamento que ele mesmo desenvolve em seu livro, mas que, em segundos, me levou para outro lugar. Ele explicava que existem três estados psicológicos: o pré-trágico, o trágico e o pós-trágico. O primeiro estágio é quase como a infância, quando ainda estamos envolvidos pela inocência e quando existe uma potência no acreditar sem receio, no ir de peito aberto.

Logo após, vem o trágico, que pode ser comparado com a adolescência ou o amadurecimento do jovem adulto. Esse é o momento em que você deixa de acreditar nas coisas e passa a ser cético. É quando você percebe que a vida não é bem aquilo que havia imaginado e, de um dia para outro, torna-se necessário criar uma armadura para se proteger de tudo e de todos.

E, por último, o pós-trágico, que nada mais é do que ter passado pela fase da inocência, pelo rompimento da fantasia e pelo ser lançado à realidade, e ter a responsabilidade de olhar para esses dois momentos e tentar se reinventar da melhor maneira. É se libertar da crença de que tudo vai dar certo, mas sem tirar a cabeça das nuvens. É deixar-se sonhar com os pés bem fincados no chão. E o mais importante: tentar fazer a diferença para que o próximo consiga passar por essas etapas com menos sofrimento.

A partir dessa enxurrada de informações, fiquei pensando sobre a estrutura dos três atos. Como a vida, mesmo sendo muito acidentária, sempre vem acompanhada de começo, meio e fim. E como, não importa a situação pela qual você esteja passando, a partir do momento em que você identifica em que estágio está, há mais chances de se libertar da terrível ilusão e da temida desmotivação.

Um exemplo é quando você conhece alguém que parece um sonho. No início, a relação é tão incrível que é quase impossível enxergar qualquer defeito; a felicidade do momento é tudo o que importa. No entanto, com o passar do tempo, a percepção começa a mudar. Você nota que a pessoa é mais invasiva do que havia percebido, ou talvez descubra que ela não se importa tanto quanto você imaginava.

Mas existe o afeto, e você vai deixando passar, até que a conta chega e se torna impossível não ver o quanto se acumularam situações mal resolvidas. O véu cai, e o que resta é encarar tudo aquilo que foi varrido para baixo do tapete. Isso dói, magoa, e pode até levar muito tempo até que se consiga digerir tudo o que foi exposto, mas a única saída é se libertar e deixar a pessoa ir.

Depois da ruptura, vem a certeza de que nunca se será capaz de gostar e/ou confiar em alguém de novo. O coração se fecha e parece que a ferida nunca irá cicatrizar, mas o tempo carrega a destreza da cura. Ele oferece conforto em outras instâncias e lhe entrega as coisas sem ao menos perceber, e, de repente, você se vê desabrochando novamente – mas dessa vez, mais sábio e mais forte.

Dúvidas sempre existirão, mas isso não deve nos impedir de caminhar para a frente. Seja no âmbito psicológico, comportamental ou até mesmo biológico, todos nós carregamos o talento de recomeçar quantas vezes quisermos. Mesmo parecendo impossível, talvez até um pouco cansativo, não existe nada nem ninguém que possa mudar esse curso: é da nossa natureza.

A.M.

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