No mundo moderno, nós vestimos roupas conforme as tendências da moda. Nós calçamos sapatos que nos tornam mais altos. E claro, nós utilizamos de acessórios para trazer maior autenticidade aos looks. Contudo, apesar da aparente sofisticação, ainda carregamos dentro de nós uma criatura selvagem que anseia por tudo aquilo que nos faz sentir vivos. Segundo a escritora Clarissa Pinkola, por mais que a sociedade tenha tentado nos domesticar, essa força sempre vai pulsar em nós. Alguns podem chamar de reação, outros de instinto, porém, essa ânsia é o que nos traz criatividade, alimenta nossos desejos e faz com que o sentimento da paixão prevaleça.
Era sexta-feira à noite, quando o meu espírito animal já estava subindo pelas paredes ao tentar encontrar uma distração para o tédio. Giovanni, meu amigo de Porto, chegava no dia seguinte ao Brasil, mas eu não conseguia me ver nem mais um segundo trancada em casa. Foi então que lembrei que Vic estava na cidade a trabalho e imediatamente mandei mensagem. Com sorte ela já tinha planos, e não hesitou em me incluir neles.
À medida que o Uber se aproximava do meu endereço, eu entrava em uma crise existencial por não encontrar a roupa certa. A temperatura tinha caído drasticamente naquela noite, e tirou a minha opção de colocar o meu vestido de alça. Para não ser cobrada uma taxa extra pela espera, optei pela boa e velha jaqueta de couro que sempre entregava um look elegante sem perder a casualidade.
Ao entrar no carro, notei que tinha deixado algo no bolso do casaco. Era a rolha que Rodrigo tinha me dado depois de abrir o vinho na noite que saímos, como um souvenir. Naquele instante, eu senti uma certa frustração por ele não ter entrado em contato comigo depois daquela noite, e vice-versa. Voltei o objeto ao bolso e desviei o pensamento para outro lugar.
Ao chegar no endereço, imediatamente avistei Vic. Ela usava um casaco de animal print fabuloso, no entanto, não era só a sua roupa que chamava atenção. Ao centro do bar, uma Drag Queen performava uma música que poucos conheciam, com um vestido e uma jaqueta rosa monocromáticos. Era Drag Night, algo quase que religioso para Vic e Pietro que, sempre que tinham a oportunidade, se reuniam lá para fazer o que sabiam de melhor: criticar e assistir RuPaul ‘s Drag Race.
Com sua decoração rica em detalhes, muita cor e luzes espalhadas por todo o lado, o Castro Burger traz uma atmosfera divertida sem perder a identidade da cidade urbana. Além de oferecer comida, também tem uma lista de cocktails com preços maravilhosos. O lugar respeita todas as letras do alfabeto e é perfeito para servir looks inesquecíveis enquanto segura um Cosmopolitan.
Depois de algumas performances e drinks, a anunciação da nova Queen foi feita e todos no bar foram à loucura. Se tem algo que eu aprendi com o final dessa temporada é que nada está perdido até que o último lip sync seja feito. O que me animou em pensar que se eu usasse as palavras certas, Victória toparia ir comigo para algum after. Com sorte, eu não precisei cantar e nem dançar para obter sucesso.
Aceitamos ir ao Próximo já que não era muito longe de onde estávamos, e já conhecíamos a casa. O problema é que sabíamos que uma vez lá, não iríamos embora até fecharmos o estabelecimento, mesmo assim, tomamos o risco. Como sempre, o lugar estava tocando músicas de jovens que não viveram o carnaval de 2018, e o bartender estava de mal humor. Porém, ainda era o lugar ideal para tomar Xeque-Mate e atualizar os assuntos.
Quando Vic me perguntou sobre como estava o Country Side Boy, eu notei que ainda não tínhamos tido a chance de conversar sobre isso. De longe meu encontro com o Rodrigo tinha sido algo fora da curva. Ele tinha me tratado bem, e eu sentia que aquela tinha sido uma das poucas vezes que alguém tinha me levado a sério. Mas, depois daquela noite, eu nunca mais ouvi nada sobre ele, e eu também não fui atrás. O que me fazia questionar o porquê era tão complicado encontrar alguém que estivesse disposto a dar o segundo passo.
Victória me observava minuciosamente enquanto eu falava. Quando enfim terminei a história, ela olhou bem fundo nos meus olhos e, naquele instante, eu sabia que aquela mulher vestida de onça estava se preparando para o ataque. Ela respirou fundo e falou tudo o que estava em sua mente, ao finalizar, ela concluiu que um segundo passo estava longe de acontecer para mim pois eu ainda estava repetindo padrões. Eu não sabia o que responder. Mesmo sem estar camuflada de animal, quem tinha entrado em uma emboscada era eu.
Quando falamos de instinto humano, prontamente associamos a necessidades físicas como fome, sono ou desejos carnais. Contudo, existe o nosso instinto emocional, que nos liga a camadas mais profundas do nosso ser, e é onde habita os sentimentos e comportamentos intrínsecos. Dessa forma, eu não conseguia encontrar uma solução além de me questionar: estaríamos presos aos padrões que criamos para nós mesmos?
Na manhã seguinte, eu espantei os pensamentos que não chegavam a lugar nenhum e decidi focar toda a minha atenção em arrumar a casa para receber o meu amigo que não via há meses. Desde que eu tinha retornado para o Brasil, eu já sabia que Giovanni tinha data marcada para passar férias aqui. O que eu não tinha reparado era que o tempo tinha passado muito rápido e muitas coisas aconteceram em um pequeno prazo. Ao mesmo tempo parecia que estávamos sentados na Praça das Virtudes ontem, a sensação era que aquilo tinha sido em uma outra vida.
O interfone tocou e meu coração disparou. Quando o nortista de 1.80m passou pela minha porta, eu dei um pulo e nos abraçamos como nos velhos tempos. Era incrível poder ter ele ali de volta e eu estava animada para mostrar o máximo de São Paulo em menos de 12 horas para ele. Foi um pouco de conversa enquanto terminava de me arrumar e logo partimos.
Para aquela noite eu tinha programado levar o Giovanni para tomar um drink no lugar que oferece o melhor cartão postal de São Paulo: O Copan. Enquanto esperávamos o nosso lugar ser liberado na fila do Orfeu, eu e Giovanni caminhávamos pelo complexo e ele me contava um pouco sobre sua vida nesses últimos meses. Por mais que o tempo passe, e mil coisas aconteçam, o assunto que sempre ganha protagonismo é a vida amorosa.
Eu perguntei se ele ainda estava saindo com o Lisboeto e ele negou com desconforto. Ele me explicou que tinha sido confrontado por ele para evoluir a relação a algo mais sério. Contudo, ele não queria compromisso naquele momento, e então eles terminaram. Desde então, ele se sente vivendo uma repetição em que qualquer pessoa que ele se envolva, todas elas o cobra um posicionamento do que ele espera daquela relação.
Estendido na calçada em frente ao bar Dona Onça, eu e Giovanni ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ele quebrou o silêncio e apontou para a estátua que fica na entrada do bar e disse “pelo menos essa está solta”. Demos risada e ele me abraçou. Algumas pessoas apenas entendem a gente. Passei minha mão pelo seu braço e guiei ele em direção ao outro bar.
O Orfeu possui uma vibe intimista e perfeita para aqueles que procuram variedades de drinks e de comidas. O lugar que fica no coração da cidade está sempre lotado, e é natural que tenha que esperar na fila. Mas isso não impede você de tomar bons drinks enquanto observa a beleza paulistana.
Depois de dois Fitzgeralds e muitas risadas, recebi uma mensagem de Vic informando que ela e o Gael estavam na Zig Duplex, e para eu os encontrá-los mais tarde. Poucos instantes depois, recebi uma mensagem de Laura também confirmando sua presença. Aquele não era só um dia de sorte, como também a noite especial Charlie XCX.
Ao chegarmos no lugar, estava quase que impossível encontrar alguém ali. Tentei ligar para Vic mas o telefone estava sem sinal, então tentei o Gael, que rapidamente respondeu “estamos na jaula”. Sim, isso eu já sabia. Dançamos por horas até notar que meu amigo tinha um voo em menos de três horas. Nos despedimos de todos e então partimos para casa. Ainda alcoolizado mas animado com tudo o que tinha vivido naquela noite, Giovani me prometeu que voltaria em poucos dias, e eu pedi para ele se recuperar para viver mais aventuras.
Enquanto eu arrumava as roupas espalhadas pelo apartamento, para evitar não só acordar de ressaca como arrependida. Peguei minha jaqueta de couro, e lembrei da rolha que ainda estava no meu bolso. Naquele instante, senti um impulso, quase como um instinto pedindo para que eu mandasse uma mensagem para Rodrigo. Sem me importar com o horário, eu perguntei se ele estava a fim de sair uma vez que ele estivesse em São Paulo.
Muitas vezes, ficamos presos a certos padrões porque ainda não temos a chave que nos liberta deles. Outras vezes, nós já até estamos livres, mas ainda insistimos em nos mantermos enjaulados. De uma forma ou de outra, cada um tem o seu processo de libertação, seja de si mesmo e de seus conceitos. Porém, naquela noite, eu sabia que a minha porta tinha sido aberta.
A.M.
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