Carta ao viajante: a garota da cidade voltou!

Há alguns anos atrás, eu li uma carta aberta de um Canadense que morou na Austrália por um ano. No texto ele desabafava que ao retornar ao seu país de origem ele já não se identificava com as coisas que sempre foram parte de sua realidade. Hábitos e costumes já não faziam tanto sentido e, inevitavelmente, ele comparava sua vida no Canadá com a do país do outro lado do mundo.

Mesmo que seu intercâmbio tenha sido apenas um ano, ele se via transformado pela decisão de sair da sua zona de conforto. Conseguia enxergar a oportunidade de viver uma vida onde as decisões e responsabilidades pertenciam somente a ele, desde a hora que acordava até a hora de ir dormir. Aprender a fazer amizades do zero, e ter que se esforçar mais do que imaginava para mantê-las. Perceber que as tarefas de casa tomariam um espaço enorme em sua rotina, e que se ele não fosse ao mercado, ninguém iria. Ao longo do tempo, ele entendeu que a independência tem um preço alto, mas que vale a pena conquistá-la.

Mesmo depois de muito tempo tendo dificuldades para se entender, e crescer com as limitações de ser um imigrante, ele notou que algo muito maior cresceu dentro de si. No Canadá, ele teve a certeza que nunca mais se sentiria completo em um só lugar. Ele sentia que seu país era o lugar certo para estar e que, eventualmente, retornaria a Austrália para revisitar lugares e pessoas. Contudo, uma vez que se faz o movimento de ir para fora, o sentimento de casa e pertencimento muda, e nunca mais existe “o lugar perfeito”. Dali para frente a dualidade faria parte de sua vida. Mas em nenhum momento ele se arrependera de ter se aventurado e vivido algo que um dia foi um sonho.

ººº

Ter me mudado para Portugal não estava em meus planos. Foi algo que aconteceu e eu agarrei. Na época eu não entendia muito bem o que eu faria com essa oportunidade, afinal, eu tinha muita vontade de retornar para a Europa.

Ao pisar em território português, eu senti como se um novo capítulo tivesse iniciado. Nesses quase doze meses eu pude rever amigos, conhecer diversas pessoas e viver experiências únicas. Viajei e experimentei novas formas de viver a vida. Como sempre, novas perspectivas apareceram e gradualmente o tempo foi me mostrando as opções que cada caminho me levaria. Nessa hora, vi que eu teria que escolher o meu próximo passo.

Eu sabia que tomar a decisão entre voltar ao Brasil, ou ficar em Portugal, traria renúncias. Então, a escolha partira do que eu queria deixar para trás. Mesmo sempre tendo sonhado em morar no exterior, eu percebi que certas vontades mudam ao longo dos anos, alinhando-se ao que o momento pede. E eu senti que algo maior esperava por mim do outro lado do oceano.

Após algumas reflexões e muitos diálogos internos, me vi sentada no avião retornando para meu país de origem. Foi um pouco mais de dez horas no ar, dois filmes assistidos e uma playlist feita especialmente para esse momento. Naquele espaço-tempo, onde nada parecia existir, notei que eu não estava voltando para o que era antes. Um ano havia se passado e as coisas ao meu redor mudaram. Eu não era mais a pessoa de um ano atrás, minha bagagem tinha aumentado, muitas perspectivas se transformaram e uma nova vontade surgido.

Morar em outros países me mostrou que eu tenho uma conexão muito grande com o lugar de onde eu vim. Talvez seja no andar acelerado, as regras não ditas, o caos que faz sentido ou o sentimento que faz você acreditar que tudo é possível. A cidade que nunca dorme com uma pitada de clima tropical guarda os sonhos que são mais altos que os arranha-céus.

Eu estava de volta a São Paulo. E mais do que nunca preparada para viver a cidade. 

A.M.

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Comments (

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  1. Louise

    ela voltou! E a cidade ficou completa novamente

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