Morar em São Paulo é sempre duvidar se as coisas vão ocorrer conforme o planejado. Não é só sobre se precaver, mas pensar a frente daquilo que está por vir. É se livrar de um problema antes mesmo dele despontar, é ser ágil, sagaz. É preciso seguir o ritmo da cidade ou ela te engole. Tudo ao seu redor parece estar o tempo todo te desafiando e é você quem escolhe se quer ou não entrar na dança.
Já fazia um tempo desde que eu não reunia os amigos em casa, mas uma data importante pintou e tive a desculpa perfeita para fazer uma reuniãozinha em casa. Você deve estar se perguntando o que seria essa data importante. Será um aniversário? Uma promoção no emprego? Ter adotado um cachorro? Tirado os quatro sisos de uma vez e ter sobrevivido? Não. Era a final da novela Vale Tudo.
Para quem não estava no Brasil nos últimos meses, ou no meio de uma mata sem sinal de internet. A grande novela Vale Tudo foi regravada com um novo elenco, na tentativa de trazer o ícone dos anos 80 com uma nova cara, e com pautas mais atuais. A novela era boa? Não. Tem um motivo específico na narrativa pelo qual eu estava envolvida? Não. Mas foi incrível poder acompanhar do começo ao fim.
Primeiro porque eu e meus amigos estávamos obcecados em falar mal da Manuela Dias e completamente apaixonados por qualquer coisa que a BadFaty, vulgo, Fátima ou Maria de Fátima, entregava. Segundo porque era apenas um grande privilégio poder acompanhar algo diariamente e poder discutir isso com outras pessoas em uma era onde tudo é consumido em alta velocidade e pouco apurado.
Foram ótimos altos e baixos e, por isso, nada mais justo do que assistir, com todos aqueles que se mantiveram fielmente atentos a todos os capítulos, a revelação de “quem matou a Odete Roitman?”. Foi uma grande experiência. Houve bolão, palpites, vinho, cerveja e pizza. Tudo isso para ficar com um grande ponto de interrogação e aceitar que a escritora da novela nada mais é do que um nepo baby.
O tempo foi passando e aos poucos as pessoas foram se preparando para o after. Alguns com a certeza de um boa noite de sono, outros um pouco mais animados, se preparando para a balada e outra parte não querendo deixar com que a noite acabasse, qualquer que fosse o programa. Eu estava no meio termo, mas começando a perceber que talvez eu deveria me conformar em ficar tranquila em casa.
Mas não foi isso que os meus amigos tinham preparado para mim. Na verdade, sem querer fui intimada a sair de casa. O que as vezes pode ser uma boa ideia, mas naquela noite algo mais forte me puxava a escolher não sair. Acabei cedendo, e fui rumo a noite que eu não estava preparada para enfrentar.
Não ironicamente, algumas coisas começaram a acontecer e acabaram corroborando com a minha pequena certeza que era melhor não ter colocado o pé para fora de casa. O primeiro sinal foi a chuva que, de uma hora para outra, decidiu desabar de uma vez. O que acarretou fazer com que todos nós ficássemos de baixo de uma faixada de um prédio, já que o bar era na rua. O clima começou a mudar, e metade das pessoas que tinham ido para nós fazermos um esquenta começaram a ir para a festa.
A Vic passou mal e teve que ir embora mais cedo e o que me restou foi andar pela rua, na chuva e sentir todo o meu arrependimento de estar ali. Mas, ao contrário do que eu deveria ter feito que era ir embora, eu me forcei a ficar lá. Por birra, por raiva, por não ter seguido a minha vontade, por ter cedido ou qualquer outra coisa que me colocou contra a mim mesma.
Deixando bem claro, não existe certo ou errado nessa situação. Afinal, dar rolê é sempre uma roleta russa, sempre podendo ser a melhor noite da sua vida, ou pode ser só mais um dia. O que me faz pensar se eu teria me frustrado se naquele dia não tivesse chovido, se minha amiga não tivesse passado mal, ou qualquer outra coisa que tivesse mudado e o lado negativo da noite fosse diferente.
Bom, essa resposta eu não vou ter, mas fica o questionamento sobre fazer aquilo que não necessariamente se tem vontade. Existe uma certa demanda social quando se tem amigos, namorado, família, trabalho que é preciso cumprir. Quando falamos de trabalho é algo complicado, mas ainda mais fácil de engolir, até porque paga o seu salário e aprendemos desde cedo que nem sempre temos que fazer aquilo que se quer.
Mas e quando isso envolve as pessoas que se ama? Será que é tão fácil assim colocar limites e expor à vontade (ou a falta dela). Eu fui criada na lógica de que é preciso participar de momentos especiais dos meus porque isso é importante para eles, logo, se torna importante para mim. Contudo, existe uma linha tênue que mora entre fazer isso por amor e fazer isso porque sente que é obrigado.
Algumas vezes fiz porque me forcei, muitas outras porque queria estar ali. Mas nem sempre consegui colocar um limite, como nesse dia no qual coloquei direcionei toda a raiva a mim. O que me faz questionar se isso não pode se tornar algo venenoso, algo que me distancie de ser verdadeira comigo mesma, ou pior, com os outros e dos outros.
Talvez eu ainda esteja no caminho de entender como me colocar, talvez esteja aprendendo a encontrar o equilíbrio. Esse é um processo que demanda olhar para dentro e entender as próprias vontades e não fazer algo porque todo mundo está fazendo. É sobre se amar primeiro para amar os outros, e o que eu espero disso é que eu encontre o caminho de fazer as coisas por prazer de fazer, sem pensar no retorno, ou na recompensa, mas ir de peito aberto.
A.M.

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