São Paulo, uma cidade ácida, sem tempo a perder e sempre olhando para o novo. Um lugar que permite se reinventar, começar do zero, demolir tudo que antes foi construído e abrir espaço para uma nova ideia. É um lugar que não para, não espera, caminha para frente, custe o que custar. Muitas pessoas podem não se identificar, mas não é sobre agradar. É sobre ser aquilo que se é, sem amarras, sem medo.
Já fazia um tempo desde a última vez que eu tinha ouvido alguma coisa sobre a Lily Allen. Contudo, repentinamente, eu vi nas sugestões do Spotify o novo álbum da cantora e logo me coloquei a ouvir. Foram quatorze faixas e menos de uma hora para eu ficar completamente gag com toda aquela informação que ícone dos anos 2000 trouxe. Eu esperava nada, e ela entregou toda a sinceridade e audácia que fez com que minha cabeça borbulhasse de questionamentos.
A artista aborda de tudo, desde o vício do seu marido por sexo até o (comum) comportamento dos homens em não conseguirem lidar com o sucesso das mulheres. Além de falar sobre manipulação, falta de caráter, os combinados que são pontes para a enganação, tudo isso me levou a pensar o quanto ainda vivemos em estruturas medievais onde a mulher é propriedade, e o quanto ainda somos expostas a necessidade de ter um par, um matrimonio e um status em procura de valorização.
A cada ano que me aproximo mais dos trinta eu penso em coisas que antes nem passavam pela minha cabeça. A carreira se tornou um tópico indispensável, já que todos ao meu redor começam a dar um rumo em suas próprias. Os relacionamentos começam a modificar, especialmente os amorosos, já que a essa altura, coleciono uma quantidade razoável de experiências ruins, e que não valem a pena serem vividas novamente. Entre outras coisas que colocam em uma comparação ao que eu deveria estar almejando versus o que eu vivo.
Essa corrida para tentar chegar a um lugar socialmente aceito é a mesma que afasta do que se anseia genuinamente. A preocupação de estar dentro de uma norma é a procura da segurança que valida a existência, tornando a própria vulnerabilidade em um baú secreto que fica escondido no porão das conquistas mundanas. Assim, inicia-se também a busca incessante para as mulheres principalmente, de encontrar alguém, casar e conquistar seu valor.
Mas o que acontece quando vem o divórcio? O rompimento com aquilo tudo que foi idealizado e construído ao longo de anos? O que vem depois, quando o status é manchado e não é mais possível manter a cortina da boa vizinhança? Penso principalmente nas mulheres, que passam a vida escutando sobre a importância do casamento, e quando decidem abortar essa ideia, são atiradas nas profundezas do poço das rejeitadas.
Mas aí vem esse álbum da cantora inglesa. Que decide escancarar as dores de um relacionamento insustentável. Declara que pensava nunca mais ser capaz de escrever, mas, em menos de um mês, cria seu projeto. Lança uma zine com uma marca relevante e faz uma sessão de fotos que parece que ela voltou no tempo de tão jovem que aparenta estar.
O curioso de tudo isso não é o trabalho, a aparência, ou até mesmo um novo hobby. É a autoconfiança. Esse encontro consigo mesma. O lugar de sentir-se em paz com a expectativa alheia, já que cumpriu com todas as exigências, e acabou dando errado. E daí que parte a coragem de fazer aquilo que ficou para trás. Isso me faz pensar no outro lado da moeda.
Quase como uma emancipação, a mulher deixa de sentir-se obrigada a seguir com as regras que sempre são impostas. Afinal, a essa altura, elas já se mostraram falhas. De um lado existe o deslocamento e do outro acesso a liberdade de não ter que lidar com as concessões. Já se chegou no fim da linha. Realizou aquilo que foi imposto, e agora sobrou tempo para ser aquilo que ainda não se sonhou. Nessa fase, penso na urgência que surge para viver aquilo que se abdicou, seja pela posição de esposa, mãe ou responsável pelo outro.
O ponto de partida é se reinventar, seguir em frente e criar suas próprias regras. Não é mais o momento de agradar ou identificar-se com um modelo. Assim como a cidade de São Paulo, a urgência das mulheres que decidem escolher a si mesmas ao invés de se encaixar em um padrão é o ponteiro para o qual nós, aprendizes da vida, devemos nos inspirar. E eu espero que, a toda mulher que esteja passando por um momento de rompimento, se lembre que a melhor escolha sempre seja ela mesma.
A.M.

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