Ainda me lembro do dia em que peguei um avião para atravessar o oceano. Naquele dia, recebi um dos poucos conselhos que me marcariam para sempre. Foi antes mesmo de passar o passaporte na leitora que meu pai me disse: “A cada escolha, uma renúncia. Hoje você está escolhendo viver uma vida em outro país e deixando uma aqui.”
Naquele momento, senti um alívio naquelas palavras. Fazia mais de um ano que me dedicava arduamente para realizar esse sonho. Tinha desistido de estudar em uma das melhores universidades do país, escolhido trabalhar em vez de aproveitar os finais de semana e deixado de lado qualquer desejo imediatista para focar no maior.
Todo esforço valeu a pena. Desde o primeiro momento em que me vi respirando outros ares, visitando lugares que só tinha visto em filmes e até mesmo falando a língua que há muito tempo estudava para ter proficiência, senti todo o meu esforço sendo recompensado. E me senti pronta para assumir os riscos que aquela escolha traria.
O tempo passou e fui notando, aos poucos, que já não era mais a mesma pessoa que viajou sozinha para outro país. Estava mais madura, com mais experiências e aprendizados. Os altos e baixos ao longo dos anos me mostraram que o prazer não mora no lugar que você habita, mas nas pessoas que ama e que te fazem bem, no calor da cultura com a qual você se identifica e no valor de estar perto de quem te entende.
Assim, voltei ao início. Recalculei a rota e decidi que o Brasil seria meu lar e São Paulo, a minha casa. A princípio, tudo seria mais simples, já que retornaria ao lugar onde cresci e fui criada. Mas o primeiro choque veio quando percebi que o tempo tinha passado para mim, assim como para as pessoas que ficaram. E isso me causou um desconforto, já que me sentia uma estrangeira no próprio ninho.
Não é como se eu não tivesse bagagem — tinha, e muita —, mas a tentativa de me estabilizar mais uma vez no meu país pareceu ser mais desafiadora do que imaginava. Me vi questionando se não deveria ter seguido outro caminho: talvez ter escolhido ir para a universidade aos dezessete anos, ter estagiado em uma redação legal da cidade, tentado a carreira de repórter ou até mesmo ter me consolidado em alguma agência de publicidade.
Me vi perdida com as minhas próprias escolhas, e aquele conselho que recebi há mais de sete anos começou a surtir efeito. Pela primeira vez, consegui ver o que havia renunciado e como o tempo é algo que não se recupera. Não tinha me dedicado a nada a longo prazo, e todas as minhas vivências pareciam ótimas para contar aos amigos, mas não garantiam um bom emprego ou moradia.
Por mais que muitas pessoas me incentivassem com o discurso de que eu tinha feito a coisa certa, e que ter vivido o que vivi foi muito mais rico do que ter investido em algo sólido aqui, na prática eu sentia que tinha andado a passos largos e que agora estava estagnada no mesmo lugar de onde saí.
Foi então, em um daqueles dias em que se tem várias coisas para fazer na rua, que encontrei uma antiga amiga. Tínhamos nos conhecido no meu primeiro emprego, e lembro que, quando pedi minha demissão, ela acabava de ser promovida. Sua aparência estava a mesma de anos atrás, só um pouco mais em forma e com traços mais maduros.
Conversamos rápido, já que ela estava no horário de almoço, e eu, com uma lista de afazeres. Mas, entre uma pergunta e outra, ela me contou que sempre acompanhava meus stories e que me achava muito corajosa por ter ido morar fora tão nova. E acrescentou que era um grande sonho da vida dela, mas que não tinha nem previsão de quando isso iria acontecer.
Por impulso, perguntei se ela ainda estava na empresa em que trabalhávamos, e ela confirmou. Disse que, há mais de um ano, tinha recebido uma bonificação e que as coisas ainda eram como quando eu trabalhava lá. Citou nomes de algumas pessoas que também permaneceram e, no final, soltou a frase: “Você foi e voltou, foi de novo, voltou, e eu ainda estou no mesmo lugar.”
Não soube como responder àquele comentário, então a abracei e me despedi. Ao caminhar em direção aos meus afazeres, perdi-me refletindo sobre aquelas palavras e sobre o quanto comparamos os outros a partir da perspectiva em que nos encontramos. Para mim, era fácil questionar por que não tinha me dedicado a uma vida de trabalho estável, quando eu mesma escolhi não viver essa vida. Da mesma forma, ela se via vivendo o oposto.
Posso sentir hoje o peso de não ter investido em coisas sólidas e ter sido mais estável, enquanto tenho um passaporte com mais de cinco páginas carimbadas. Posso reclamar por não ter dado entrada em um apartamento, enquanto gastei todo o meu dinheiro em viagens e lugares que sempre quis conhecer. A questão é: se não tivesse feito isso, hoje carregaria a culpa de não ter realizado os sonhos que aquela garota de dezoito anos — que ainda habita em mim — passava noites escrevendo que queria viver.
Demorou para eu entender, mas meu pai estava certo. A cada escolha, uma renúncia. Não porque, uma vez escolhido algo, você nunca terá o que abandonou, mas porque não dá para ter tudo. O momento sempre pede foco em uma coisa, e, para que ela se concretize, é preciso deixar de ver as outras que se tem ao redor. É outra frase pequena e clichê, mas imprescindível: “Infelizmente, não dá para ter tudo.”
Hoje, não tenho mais o desejo de morar fora, mas porque já fiz isso. Quero me estabilizar, criar raízes e fincar meus pés onde estou. Mas quem sabe, daqui a dez, quinze ou até mesmo dois anos, eu não decida jogar tudo para o alto e viver outra vida? Será que todo o esforço de agora deixaria de existir? Será que tudo o que faz sentido para mim hoje seria considerado perda de tempo?
Isso só o futuro me dirá. Mas, hoje, vivendo este momento de transição, sei que é difícil e que vai demorar um tempo para conquistar o que almejo. Isso faz parte do processo. No entanto, fico tranquila ao pensar que posso me reinventar quantas vezes for necessário — em vez de não viver a vida que um dia sonhei para mim.
A.M.

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