Para aqueles que nasceram nos anos 90 até meados dos anos 2000, o romance foi introduzido como parte essencial da existência humana. Era esperado que, ao sair de casa em um dia comum, alguém iria atravessar o seu caminho e mudar sua vida para sempre. Esse marco não só traria valor, como sentido para a sua história. As emoções e sentimentos da outra pessoa seriam tão únicos que se tornariam perturbadores. Desafios e adversidades entrariam no seu caminho, mas você lutaria até o final, pois o amor verdadeiro precisa de superação para ser consumido, e todo esforço é compensado com o “felizes para sempre”.
Trinta anos depois, o dia-a-dia foi se alterando, novas pautas introduzidas na vida das pessoas, e assim, afastando a humanidade de conceitos de décadas passadas. As configurações de relacionamento antes vividas se mostraram falhas e o amor romântico parece nada mais do que uma construção de Hollywood. De uma hora para outra, o termo “alma-gêmea” se tornou cafona e a história de que “alguém mudaria sua vida para sempre” transformou-se em um comportamento tóxico.
Atualmente, o romance cedeu espaço para o prático. A paixão foi substituída pela oportunidade de dividir despesas. Os relacionamentos amorosos foram rebaixados a qualquer outro tipo de interação interpessoal, o casamento se transformou em união estável, e a outra metade da laranja foi obrigada a entender que ela tinha que lidar com seus problemas sozinha.
Não fugindo da configuração moderna, São Paulo também opta por praticidade. Em uma cidade que habita milhões de pessoas, simplificar é um verbo que nunca sai da agenda. Mesmo com seu comportamento caótico, a cidade está sempre inventando formas de encurtar tempo, melhorar o acesso e transformar qualquer terreno em um prédio com centenas de apartamentos de 42m2.
Longe de viver um dia pragmático, eu encarava uma chuva de final de primavera que não me dava outra alternativa a não ser correr para um estabelecimento próximo e aguardar a tempestade passar. Sem muita escolha, parei em uma cafeteria na Haddock Lobo com a Avenida Paulista. Como pode imaginar, qualquer Iced coffee não seria menos do que quinze reais, mas eu não tinha outra alternativa a não ser beber algo ou me encharcar com a chuva.
Após o arrependimento de ter gastado tanto em líquido absolutamente delicioso, eu percebi que todas as mesas estavam ocupadas. Sem muita escolha, me aproximei da mesa mais próxima e perguntei se o lugar estava ocupado. O homem que se espantava com a minha interação, respondeu com um gesto para eu me sentar.
Não sei se foi a minha audácia de dividir a mesa, ou a quebra dos pensamentos que eu causei a pessoa, mas o estranho demonstrou certa confusão ao me ver sentada ali. Para quebrar o clima de desconforto, contei a ele sobre minha insatisfação em ter que comprar um café tão caro para poder fugir da chuva. Um pouco envergonhado, ele me respondeu com outra pergunta.
Foram algumas perguntas aleatórias que nos levou a outras mais pessoais que evoluíram para um diálogo complexo. Em menos de uma hora, eu e o estranho conversávamos sobre como divórcio tinha se tornado a carta de alforria da geração X. Ao descobrir que não tínhamos muita diferença de idade, refletimos qual era a expectativa para o futuro dos relacionamentos. Eu poderia dizer que não existe certo ou errado em ambas impressões sobre o amor, contudo, ele parecia estar menos otimista em acreditar que existe alguém certo para cada pessoa no planeta, enquanto eu me mantia firme nas minha convicções.
Ainda interessada em saber o que o estranho tinha a dizer, perguntei o que o tornara tão blasé em relação ao romance. Ele fez uma pausa para colocar as palavras em ordem, e ao colocá-las para fora não hesitou em falar o que tinha pensado. Sem rodeios, ele disse que o amor que eu tanto procurava só me afastaria da oportunidade de conhecer pessoas que me proporcionaram o real.
Saímos da cafeteria juntos ao notar que a chuva já tinha passado. Trocamos contato e ele comentou que sempre que eu precisasse colocar os pés no chão, era só mandar mensagem. Nos despedimos e eu segui a caminho do meu compromisso.
Mesmo depois de caminhar algumas quadras, o que o então estranho tinha me dito não saia da minha cabeça. Será que essa idealização de par perfeito teria tirado de mim a chance de viver as coisas como são? Acreditar que existe alguém compatível só me afasta de querer construir algo com alguém? Ou pior, será que joguei fora o que potencialmente seria um bom relacionamento? Eu podia ter me salvado da chuva aquela tarde, mas não me livrei do balde de água fria que aquele estranho tinha jogado
Dias se passaram e Rebeca estava de partida para o Rio de Janeiro. Como não tinha previsão de quando nos veríamos de novo, marquei de encontrá-la no IMS. O Instituto Moreira Salles é um centro cultural localizado na Paulista que oferece não só três andares de exposições de arte como cinema, biblioteca e um restaurante perfeito. Já faz alguns anos desde que tinha sido inaugurado, mas eu nunca me cansava de ir lá.
Ao perceber que eu estava mais de uma hora atrasada, e longe de chegar no lugar marcado, mandei uma mensagem para Rebeca perguntando se poderíamos só tomar um café já que nosso tempo seria curto. Morar em São Paulo tem um detalhe que muitas vezes passa despercebido, mas aqui é comum que um trajeto de vinte minutos, dependendo do dia, pode demorar mais de uma hora.
Ainda presa no trânsito, eu recebo uma mensagem no meu celular. Só poderia ser Rebeca. Mas ao desbloquear a tela, sou surpreendida. Há algumas semanas atrás, eu tinha conhecido Rodrigo em uma festa. À primeira vista, eu não o tinha notado, mas enquanto eu me preparava para ir embora dali, ele se aproximou e perguntou o porquê eu estava indo embora tão cedo. Eu não podia dizer o motivo, e na tentativa de salvar aquela noite, eu o beijei.
O que eu não esperava é que depois de tantos dias após nos conhecermos ele iria me mandar mensagem. Curiosa para saber o que ele tinha a dizer, eu o respondi e ele informou que estava a trabalho na cidade por um dia e seu estava a fim de fazer algo mais tarde naquela noite. Eu não sabia se era o Mercúrio Retrógrado, ou a conveniência de ter uma companhia para aquela noite. Mas as palavras do estranho (não mais tão estranho) da cafetaria ecoaram na minha cabeça e eu tentei dar a oportunidade da vida me as coisas como são. Topei encontrá-lo mais tarde, com a condição de que teria que ser em um lugar próximo da onde eu estava. Com sorte, ele tinha alugado um Airbnb há 15 minutos dali.
Ao enfim encontrar Rebeca, eu pedi desculpas pelo atraso, e ela compreendeu e disse que até que sentia saudade dessas loucura que é morar em uma metrópole. Conversamos por algumas horas e conforme o tempo passava eu me questionava o porquê ela não se mudava de vez para cá. Nosso grupo sempre tinha idas e vindas, e eu sabia que eu fazia parte desse movimento, mas agora era diferente, estávamos mais maduros e a ilusão de encontrar um lugar perfeito não existia mais.
Mais tarde, eu decidi ir andando em direção ao meu encontro. Como uma coisa era perto da outra, eu preferi não voltar para casa e só retoquei a maquiagem. Ao chegar no endereço indicado, eu percebi que Rodrigo já se encontrava na recepção do prédio. No momento em que eu o vi, percebi que ele ainda vestia a roupa do trabalho, então me senti mais confortável.
Rodrigo é um cara alto que trabalha em finanças e possui uma personalidade um pouco contrária à minha. Ele prezava dias mais calmos e preferia uma vida mais tranquila. Já eu não conseguia me imaginar fora de uma cidade grande. Enquanto ele optava por escolhas mais conscientes e lia autores russos, eu lidava com o fato que meu cartão de crédito estava sempre no limite e era assinante da Elle View.
Era nítido que não éramos compatíveis, mas era engraçado como sempre tentávamos achar o meio do caminho para opiniões tão opostas. Ele me achava engraçada e eu gostava que ele não deixava o assunto morrer. A interação levou as coisas a outro nível, e essa foi a parte que me surpreendeu.
Na manhã seguinte eu fui poupada do walk of shame, já que ele me dirigiu de volta para casa. Eu não lembrava quando tinha sido a última vez que eu senti que um outro adulto podia cuidar de mim, mas naquele momento eu me senti protegida. Eu tinha me divertido e me sentia bem. Não era como se fogos de artifício estivessem saltando para fora do meu peito, ou, eu sentia como se algo estratosférico tivesse acontecido comigo. O sentimento era de normalidade. Sem disfarces, sem fingimentos, sem forçar nada. Eu me sentia eu mesma, e sabia que tinha sido 100% eu a noite toda.
Ao abrir a porta de casa, eu mandei mensagem para Murilo:
“Acho que estou pronta para colocar os pés no chão. Quando está livre para um outro café?”
A.M.
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