Viver em uma cidade grande tem suas vantagens mas, às vezes, é preciso sair dela. Depois de quase um mês vivendo grandes aventuras na capital mais populosa do país, eu decidi dar um tempo e viver a calmaria do interior. Victória me convidou para passar o feriado em Piracicaba, o que era uma ótima solução, já que eu precisava de um descanso de imagem.
A cidade que recebe o nome tupi-guarani fica localizada aproximadamente 150 km de distância de São Paulo. Conhecida pelos seus patrimônios culturais históricos, parques e hortos florestais, o 13º município mais populoso do estado, carrega tradição e uma qualidade de vida maior para aqueles que procuram fugir da agitação da cidade.
Logo ao chegar na rodoviária, notei que o tempo e espaço tinham mudado. O barulho dos carros, a agitação dos comércios e pessoas conversando, foram substituídos por pássaros, grilos e um silêncio incomum. Ao invés de prédios altos, encontra-se grandes casas térreas. No lugar das grandes avenidas, a cidade recebe um rio que leva o nome dela. Ao encontrar Vitória, percebi que não era só o lugar que era diferente, mas seu estilo também. Com uma temperatura mais elevada, eu notei que ela tinha trocado o Blazer por regatas, e o salto alto por sapatilhas.
Depois dela me apresentar a casa e os cachorros mais icônicos desse país, ela me perguntou o que eu queria fazer ao longo desses dias. Eu sugeri alguns títulos de filmes e talvez uma noite de pizza. Porém, ao ver ela sacando uma garrafa de vinho branco eu entendi que a programação do feriado não incluía sossego e tranquilidade.
Foram algumas taças, muita conversa e uma pergunta inocente que me colocaram em um Uber às onze horas da noite. Com a sensação térmica de 30º e um céu estrelado, eu vestia a única coisa que era possível naquele momento: uma mini saia e uma regata. O que me fazia simpatizar ainda mais com aquele lugar. Com uma bota country e maxi brincos, eu e Vic fomos para o melhor (e único) bar de drinks da cidade: o TOT.
Com uma playlist impecável e drinks com nomes divertidos, nós duas conversamos sobre a nossa aposta de dar pelo menos um date por mês. Essa ideia tinha partido de Vic como uma forma de nos incentivar, ela e Laura a sairmos da nossa zona de conforto. Contudo, estávamos quase na última semana do mês e nenhuma de nós tinha nem sequer conseguido o contato de alguém.
Nós nos questionamos se existe algum bloqueio, ou se nós tínhamos deixado de ser interessantes. Era quase como se não existisse mais uma forma de conhecer alguém de forma orgânica. Ou você se lançava nos aplicativos, ou você começava a frequentar festas de amigas casadas, ou que namoram (o que só de pensar nos causou arrepios).
Talvez tenha sido o Expresso Martini ou a garrafa de vinho que dividi com Vic, mas quando o bar começou a fechar, eu me animei para ir para outro lugar. Existe algo interessante sobre as pessoas que possuem a Lua em Sagitário, e uma delas é não saber dizer não para um rolê. E, felizmente ou não, eu e Victória dividimos a mesma posição do astro.
Já era 1 hora da manhã quando entramos no Dolores. O bar que tinha estrutura de uma casa estava surpreendentemente movimentado para uma véspera de feriado. O espaço era imenso e se dividia em diversos ambientes. Lá você encontra duas pistas de dança, diversos bares espalhados e um jardim ao fundo no qual você pode ficar nas mesas.
Como queríamos algo mais animado, optamos por ficar na primeira sala onde tinha um DJ tocando R&B. À medida que dançávamos e levávamos empurrões de outras garotas, eu percebi que alguém me notava atrás do bar. Com zero sobriedade para julgar o bartender, eu retribuí os olhares com um sorriso. Perguntei para Vic se ela queria mais bebida, e ela abriu um sorriso enorme. Instantaneamente, me questionei se os Martinis que tínhamos bebidos tinham sido batizados.
Ao me aproximar do balcão, uma garota com piercings na boca e cabelo alaranjado se aproximou, mas logo foi interrompida pelo cara que eu flertava. Ele perguntou o que eu queria e mostrei o que tinha na mão. Ele começou a rir e balançou a cabeça. “Mais alguma coisa? ” Ele acrescentou enquanto me passava os copos. Sem hesitar, respondi que o que eu queria estava ocupado, e sai.
Enquanto eu e Vic dançávamos e fingíamos que nascemos em 1999, ela me fez um sinal com a cabeça e perguntou quem era o cara de Dreadlocks. Me virei em direção ao que ela apontava e notei que o ele estava do meu lado. Me assustei e perguntei o que ele estava fazendo ali. Com um sorriso largo e seu colar de conchas ele me contou que tinha acabado de se demitir do emprego, e que o motivo era dessa decisão era eu.
Por um segundo toda e qualquer gota de álcool evaporou do meu corpo. Eu não conseguia acreditar no que ele tinha acabado de dizer. Como alguém sai do emprego por conta de uma pessoa que acabou de conhecer? Ou pior, como alguém pensa que ao se demitir, a outra pessoa vai gostar disso? Eram muitas perguntas para respostas duvidosas. Mas eu estava pouco preocupada com a maluquice dos outros, na verdade, eu não estava nem pensando direito. Então eu decidi só entrar na onde e abraçar o que seria chance de me salvar da aposta.
No outro dia, eu só conseguia sentir o peso de misturar bebida e de não ter nascido em 1999. Minha cabeça latejava e, ao sair do quarto, percebi que não era só a minha. Enquanto eu tomava dois litros de café e cinco de água, Vic me perguntava quem era aquele cara da noite passada. Conforme eu contava tudo o que tinha acontecido, eu notei que não sabia o nome, a idade e muito menos tinha o contato do desempregado.
Ainda com a cabeça latejando, decidi não forçar o último neurônio que batalhava por mim. Contudo, me questionava como era possível eu ter sido convidada para ir para Limeira no final de semana e nem ter tido o interesse de perguntar o nome do sujeito.
Não demorou nem 24 horas para que Vic me convencesse de fazer algo novamente. Quando o nosso organismo se apresentou recuperado suficiente, não hesitamos e nos lançamos na noite. A única coisa que eu não esperava era que o único lugar para ir em Piracicaba, era o Dolores. O que acabou me colocando de frente ao cara de Dreads.
Quando ele se aproximou de mim, não se poupou em repetir que o motivo da sua demissão era por minha causa. Eu não sabia o que dizer, e isso não se dava ao fato de que as duas únicas coisas que eu sabia sobre ele era que ele não tinha trabalho e nem noção, mas porque a minha cara de repúdio dispensava qualquer palavra. Imediatamente me afastei e indiquei para você ir para o outro salão.
Ao som de Linkin Park, Vic revelou um aspecto de si mesma que eu nunca tinha visto. Ela cantou a música inteira eu percebi que certas particularidades só aparecem quando compartilhamos momentos. No entanto, não foram apenas o seu gosto musical que me chamou minha atenção. Ao notar que tínhamos uma plateia de espectadores do sexo masculino nos olhando, Vic virou para mim com uma risada, confirmando o meu pensamento de que o nosso charme não havia desaparecido. Ao contrário do que acreditamos, não havia bloqueio e muitos caras se sentiam confortáveis em expressar interesse.
Não pude evitar, mas refletir sobre como os homens se posicionam hoje em dia. Divergindo de São Paulo, os caras daquela cidade se mostravam mais firmes uma vez que tinham interesse. Claro que, nem toda a mulher espera que um cara deixe o seu emprego como um gesto de paixão, Contudo, por mais que as coisas estejam mais progressistas, no jogo da paquera ainda se espera uma aproximação ou um simples ato que demonstre o que a outra pessoa sente.
No caminho de volta para São Paulo, eu me questionava como um final de semana que estava programado para ser uma fuga da loucura urbana transformou-se numa série de acontecimentos inesperados. Ao sentir o meu celular vibrar, logo vi que era Laura. Ela tinha tido um encontro de última hora, o que fez eu e Vic perder a aposta.
Mesmo sem ter conseguido um date, eu sabia que essa aposta tinha cumprido seu propósito. Eu posso não ter conhecido ou investido em alguém, mas eu sentia que eu tinha me permitido mais e, com certeza, saído da minha zona de conforto.
A.M.
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