São Paulo pode ser considerada uma metrópole como qualquer outra. Contudo, a cidade localizada em um país de tamanho continental, não se enche de pessoas vindas de todas as partes do mundo, mas de diversos estados da mesma nação. Ao contrário do que se espera, aqui as pessoas não desfilam casacos luxuosos mas abusam de tamanhos, cores e simetrias para expor o bronzeado e as pernas torneadas.
O lugar em que habita o complexo de superioridade com uma pitada de clima tropical, tem fama de atrair visitantes por oferecer oportunidades e dispor de tornar os seus desejos realidade. Mesmo com seu passo acelerado e as noites sem fim, é possível que você se apaixone pela cidade, mas isso não garante que ela irá corresponder.
De volta ao meu habitat natural, percebi que estava fora de sintonia. Sentia como se eu fosse uma garota do interior que tinha acabado de se mudar para a cidade grande. Mesmo que tudo isso sempre tenha feito parte da minha vida, eu tinha me desacostumado mais do que imaginava. Tinha me adaptado aos dias mais calmos e uma rotina mais estruturada. Até mesmo hábitos mais saudáveis eu tinha desenvolvido, já que no Porto parece existir mais tempo dentro 24 horas.
Mas foi a campainha do meu apartamento tocar que rapidamente todo esse sentimento foi embora. Com 1.73 de altura, sobrancelhas impecáveis e seu sapato Chanel Pumps, Victória tinha vindo passar uns dias comigo até sua viagem para o Rio de Janeiro. Foi um abraço, duas garrafas de Carbenet e muitas horas de conversa na varanda, que me trouxe a felicidade de estar de volta.
No dia seguinte, fui surpreendida por uma queda de luz e a descoberta de que São Caetano possui os mesmos endereços que a cidade de São Paulo. Já que ao pedir um Uber, eu acidentalmente cliquei no endereço que me levaria para fora da capital. Porém, era sexta-feira, e nada iria destruir minha animação em, finalmente, conhecer o lugar que meus amigos julgavam o mais hype do momento.
Ainda sofrendo com a adaptação de temperatura, eu estava na tentativa de encontrar uma peça de roupa que ficasse perfeito com o meu top. Nada parecia entregar um look de respeito, e então Vic, com seu olhar perspicaz de e-commerce girl, me convenceu a dar uma olhada na nova coleção de saias da Renner. O que eu não sabia é que, ao cruzar a Alameda Campinas com a Avenida Paulista, eu estava a um passo de mudar a minha vida para sempre.
Ao provar o pedaço de pano de 27 cm, eu senti que algo novo tinha despertado em mim. Ainda insegura da minha escolha, mandei uma foto para Victória questionando se a saia estava muito curta, e ela, sem hesitar, respondeu que a sua era bem menor do que aquilo.
Ainda confusa com o que aquilo significava. Me lancei ao que chamaria de “uma nova era”, e que daqui em diante eu não me importaria mais com a exposição do meu corpo. Afinal, era agora ou nunca. E com esse impulso gastei não só com uma, mas com duas minissaias.
Enquanto isso, do outro lado da cidade, Laura recebia as incansáveis mensagens minha e de Victória, na tentativa de convencer ela ir no bar conosco. Mesmo que o encontro dos amigos era oficialmente no sábado, queríamos uma noite só das garotas e, desde que eu tinha chegado não tivemos a oportunidade de nos encontrarmos. Ainda assim, Laura se mantinha na dúvida entre fazer a coisa ou ir com a gente. Já que ela sabia que não ficaríamos em “apenas um drink”.
Mais tarde naquele dia, à medida que eu e Victória nos arrumávamos ao som do álbum A Little Bit Longer, eu pude notar que algo tinha mudado. A atmosfera parecia estar diferente, e uma autoconfiança se elevava ao longo da minha produção. Eu sabia que não era o batom vermelho, nem os maxi brincos, e muito menos o perfume. Era muito maior do que isso.
A caminho do Opalina, era possível notar que todos os olhares estavam em nós (ou ao menos, era isso o que pensávamos). A cada passo dado, era como se Gisele Bündchen gritasse “you go, gir!”, e nós a devolviamos o melhor catwalk. Dos pés à cabeça nos sentíamos invencíveis e, nada, nadinha nesse mundo pode aborrecer uma mulher de minissaia.
Como em muitos lugares em São Paulo, o Opalina precisa de indicação para ser localizado. Com sua fachada discreta e um interfone que libera sua entrada, esse espaço que a princípio é uma casa adaptada, oferece espaço suficiente para um happy hour, uma noite com os amigos ou um encontro. A sua decoração intimista contrastando o concreto, traduz muito o que a cidade é.
Depois de muitos degraus e uma suadinha, eu e Vic nos acomodamos perto do bar com 92% das nossas pernas de fora. Na tentativa de sentar no banco alto, perguntei a minha partner in crime se minha bunda estava aparecendo e ela respondeu sem rodeios: “Quem liga? Você está uma grande gostosa”. E nesse momento eu tive a certeza que pelo menos uma nádega estava de fora.
Em comemoração, pedimos dois coquetéis da casa para brindarmos. Mas a satisfação completa só veio quando Laura chegou. Meu coração não podia estar mais completo, ainda mais pelo fato dela também estar usando uma minissaia.
Era incrível como mesmo depois de 24 horas juntas, eu e Vic tínhamos tanto assunto e carisma. Nós sabíamos que uma hora a conta iria chegar, mas naquele momento nada importava. Aquecidas com o drink, decidimos dividir uma garrafa de vinho que, iconicamente, veio em uma bolsa transparente com gelos. Não importa o quanto você pode transcender em seu estilo, os bares nessa cidade sempre achavam um jeito de ultrapassar qualquer sinal de autenticidade.
Já com algumas taças de vinho na cabeça, Laura sugeriu em irmos no bar que começa com a letra P., mas ainda existia uma hesitação em voltar lá. Principalmente pelo fato do lugar ter mudado para pior (como se fosse possível) nos últimos meses. Na tentativa de não deixar a noite morrer, Laura anunciou que o Picles agora tinha um sucessor, e, em um piscar de olhos, estávamos dentro do Uber, que em dois minutos nos deixou na frente do Próximo.
O Próximo de fato era um Picles re-imaginado. O lugar era um pouco mais organizado, e menos cheio, talvez por ter inaugurado há pouco tempo. Infelizmente não havia um piano para sentar, o que tirava um pouco da personalidade do lugar. Mesmo assim, mantinha a estrutura do Picles, e como nós já nos conhecíamos o formato, fomos direto para o Jam.
Ao entrar na sala, procuramos um lugar em que seria fácil notar que não tínhamos noção alguma. Mas quem se importa? Estávamos entregando tudo com o nosso look naquela noite, e às vezes, as pessoas precisam de histórias para contar. E nós estávamos determinadas em ser os personagens em destaque.
Entre uma música e outra, Vic e Laura desceram para pegar mais bebida e pediram para que eu ficasse lá para guardar o lugar. Mas conforme a banda trocou, logo o espaço vago foi ocupado, e ao receber um elogio sobre meus anéis, notei que não estava mais sozinha. Ao olhar para o lado, um homem de mais ou menos 1.85m tinha se aproximado, e eu, já um pouco alta pelas várias taças de vinho e o famoso Xeque-Mate, comecei a rir descontroladamente.
Sem entender, o admirador de anéis riu também. Quando enfim me recompus, ele perguntou o que tinha de tão engraçado no elogio. Naquele momento eu sabia que tinha que poupar ele da verdade, mas minha indignação era maior que minha saia. Será mesmo que os homens tinham desaprendido como chegar em mulheres, ou alguns avanços na sociedade tinha vetado eles de elogiarem as pernas alheia?
Tirando o fato de que ele lembrava o meu tio, e que ele me explicou que impostos seriam aumentados para ajudar a erradicar a falta de saneamento básico em São Paulo, eu decidi dar uma chance para ele. Porém, em vez de uma aproximação, eu ganhei uma apresentação em 19 slides sobre seu aniversário.
Já cansada da conversa que não chegava em lugar nenhum, me juntei as meninas para dançar. Uma das partes incríveis do bar próximo é que eles não tinham o oitavo melhor DJ do mundo, mas um tablet na parede em que você podia colocar a música que você quiser. Desde que você respeite a fila, e a música do Djavan.
Ao som de Batidão Tropical eu não me cansava de repetir que tinha encontrado meu propósito de vida. Eu só queria que todas as meninas e mulheres pudessem sentir o poder dessa peça de roupa. A minissaia além de trazer um brilho diferente ela valoriza a sua autoestima. Se eu fosse nascida na década de 1960, com certeza eu estaria nas ruas levantando placas e gritando “Minissaia para sempre!”.
Quando enfim a energia começou a cair, fomos para fora tomar um ar. Foi então que o fã de power point se aproximou nos convidando para um after. Depois de ter conversado mais de meia hora sobre a economia do país, eu não tinha mais clima para trocar nem meia palavra com aquele cara. Mesmo ele insistindo para que nós fossemos para outro lugar, eu me mantive firme na minha escolha. Então ele logo me deu seu telefone para que ao menos ele conseguisse o meu contato.
Uma técnica valiosa que eu adotei é nunca passar o número do celular. Imagina só receber mensagens sobre o PIB ou Imposto de Renda? Ao invés disso, abri o Instagram e fiz com que ele me seguisse, eu podia não querer um encontro, mas engajamento é sempre importante. Ele agradeceu, e reforçou que o convite ainda estava de pé… e foi nessa hora que Laura perguntou despretensiosamente o que ele fazia, ele respondeu “sou artista”.
Nesse momento, percebemos que estava na hora de ir embora.
No caminho de volta, estávamos felizes pelo nosso reencontro. Era difícil acreditar que tinha passado tanto tempo longe das minhas amigas, mas sabia que muitas histórias estavam por vir. Dentro do Uber, começamos a compartilhar as fotos daquela noite e, quando notei que sem exceção, eu estava belíssima em todas as fotos, eu senti que o sentimento que nasceu no provador da Renner, estava prestes a florescer.
São Paulo pode ser considerada uma metrópole como qualquer outra. Contudo, na cidade em que tudo pode parecer óbvio, muitas vezes, as coisas não acontecem da forma como esperado. Onde se espera casacos luxuosos, entrega-se tamanhos, cores e simetrias. E foi assim, em uma sexta-feira comum que eu encontrei minha causa. Daquele dia em diante eu espalharia a palavra da minissaia.
A.M.
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