Música ou Vodu?

O mundo mudou e novos hábitos foram adquiridos. Da hora em que se acorda até a hora de ir dormir, somos tomados por uma enxurrada de estímulos e informações. O poder de alcance aumentou e, a sensação de sempre sentir que algo está por fazer, ou não ter tempo de fazer tudo o que gostaria, é constante.

Parece que em um ano é impossível cumprir as metas básicas de viajar pelo menos duas vezes, aprender uma nova língua, mudar de emprego, começar a fazer conteúdo para as redes sociais, exercitar-se ao menos 4 vezes por semana, ter uma vida social ativa e ter uma relação saudável com a sua família e seu namorado. E mesmo que tudo isso esteja como planejado, a skin care e a saúde mental também precisa estar em dia.

De um dia para o outro a régua do que deve ser o básico para um ser humano subiu de comer e ter uma boa noite de sono por uma lista interminável de afazeres. Além da cobrança interna de ser a melhor versão de si, ainda existe o fator externo de conseguir bancar essa realidade e ainda conquistar coisas como uma cada própria e casamento antes dos 35 anos.

A conta não bate e a frustração só aumenta. Nos tornamos vítimas das nossas próprias expectativas e cada vez mais se torna complicado achar o caminho de volta. Ou, pelo menos, sair desse círculo vicioso.

Na tentativa de propor metas realistas para o ano que se iniciava, eu parti pelo princípio de que eu só colocaria no papel aquilo que seria palpável e previsível para mim. O que nada mais era do que me graduar e conseguir trabalhar na minha área. Ao fazer utilizar apenas duas linhas de uma longa página, eu percebi estar sendo muito humilde (ou preguiçosa) e precisava acrescentar pelo menos duas coisas mais. Sem ter certeza do que eu poderia propor a mim mesma, decidi me dar uns dias para eu poder de fato encontrar algo que faria sentido conquistar neste ano.

Na mesma tarde, um amigo que já não vi há um tempo sugeriu para que fossemos a uma sessão de escuta na Fonoteca do Porto. O espaço que notavelmente foi feito para não ser encontrado me surpreendeu logo na entrada. De arquitetura moderna e decoração temática, traz uma atmosfera leve e tranquila. Ao passar pelos estúdios eu vi pela primeira vez um Grammy, e ao descer as escadas foram tomadas por quatro paredes e um mezanino tomado por vinis enfileirados.

Mesmo tento chegados alguns minutos antes do início do evento, a sala já estava cheia e pude notar que para algumas pessoas ali o lugar já era quase como uma segunda casa. Nesse dia o tema era o país Espanha e, o anfitrião compartilharia algumas músicas de diferentes artistas conosco. De Freddy Mercury a Las Gregas, uma hora se passou e eu percebi ter me conectado com aquele grupo sem ao menos ter conversado diretamente com cada indivíduo.

O simples fato de desfrutar música com desconhecidos, sem fones de ouvido, tudo em simultâneo, cada um com seu próprio repertório, mas todos dividindo a mesma experiência me despertou um interesse em trazer mais momentos assim para a minha vida. O que logo me fez pensar que essa seria uma meta interessante para me propor.

Ao me despedir do grupo e do meu amigo, optei por voltar para casa a pé. Ao caminhar entre as ruas do Porto, refleti o como muitas vezes nos autocentramos a ponto de esquecer o mundo que existe lá fora. Mais do que nunca, com toda a pressão que de estar sempre a conquistar algo e ser produtivo o tempo todo, nos esquecemos de dar espaço para experimentar outras coisas, sem listas, sem obrigações ou sem grandes utilidades. Mergulhar no momento e curtir o fato de que estamos todos vivendo uma complexa experiência humana.

Com esses devaneios, peguei a minha lista de objetivos para esse ano e rasguei o papel rente a segunda linha. Desta vez eu me libertaria da pressão que o mundo lá fora e uma folha A4 trazem para mim.

A.M.

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