O inverno chega para todos e, muitas vezes, nos faz questionar por que a vida ficou tão monótona e solitária. Somos obrigados a nos cobrir com diversas camadas de diferentes tecidos para manter o calor interno. As noites se tornam mais melancólicas, porém mais aconchegantes. Mesmo que você se contente com pijamas compridos e com mais espaço na cama, ainda se pergunta como pode se sentir tão sozinho?
Eu não estava à procura de amor e não sentia que precisava de companhia, ou alguém para preencher os meus dias. Afinal, a minha rotina agitada me mantinha ocupada o bastante a ponto de não pensar em nada além do prático. Contudo, aos poucos, fui sendo colocada em certas situações que me fizeram despertar algo que antes não considerava.
Quando se tem pouca vontade de sair devido ao intenso frio, mais se tem vontade de encontrar seus amigos. E não tem nada melhor do que um jantar com mais garrafas de vinho do que horas para bebê-las. Sentada em uma poltrona no canto da sala, eu ouvia as histórias mais icônicas da minha amiga. Isso me fazia questionar como alguém tão precavido com higiene pessoal pode se render a um pequeno favor em um banheiro sujo de um bar questionável. Mesmo com a presença de todos ali, existia uma parte da audiência que estava fora de frequência e mais confortável com seus pares, o que os fazia se isolar em seu mundo particular.
Naquele momento, eu consegui enxergar uma linha tênue entre os solteiros e os em relacionamentos. Não era como se fôssemos diferentes, ou participássemos de mundos opostos, mas existia um comportamento diferente. Algo no inconsciente que brutalmente trazia desconforto. Isso me fez questionar se eu devia reduzir o nível de vinho ou talvez eu não estava pronta para aceitar o fato de que estava do lado daqueles que se divertiam com histórias fálicas e de vivencias complexas.
Indiferente do que a situação representava, o sentimento era válido e eu só me questionava desde quando o grupo de amigos tinha se dividido entre os solteiros e os em relacionamento.
Depois de alguns dias do ocorrido, eu senti que tinha digerido o desconforto. Até que o convite para uma nova celebração entre amigos chegou e, desprevenidamente, caí na mesma situação de ter que dividir a mesa com os casais e com os solteiros.
Ao chegar na Aduela, um bar que está sempre lotado. Não importa a hora, o clima ou a ocasião, sempre vai encontrar grupos de pessoas ocupando toda a esquina. Já mentalmente preparada para ficar em pé a noite toda, me surpreendi quando cheguei e vi que todos estavam sentados em uma mesa na calçada. Senti que seria um dia de sorte.
As pessoas ali eram as mesmas de sempre, porém, não demorou para que seus pares, desconhecidos e conhecidos, se juntassem à mesa. Eu não sei se foi a intensidade das noites frias, ou se a Lua estava fazendo algum aspecto astrológico com a Vênus, mas todos ali estavam acompanhados, exceto por mim e minha amiga Sarah.
Entre uma bebida e outra, fui me acostumando com a nova configuração do grupo de amigos, mas o fato delas não serem solteiras me deixava insegura. Ao contar o que tinha acontecido dentro de uma semana, me questionava se as minhas histórias eram absurdas demais para o ambiente, ou eu estava apenas me anulando por uma ideia de como eu tinha que me comportar.
Indiferente do que eu sentia, a conversa continuou, e por muitas vezes foi possível sentir que eu estava rodeada de amigos, o que me confortava a ponto de sentir que, na verdade, há espaço para todos.
Conforme o tempo passava, as coisas foram se afinando e, naturalmente, algumas pessoas foram se desconectando do ambiente para algo mais íntimo, o que, progressivamente, os faziam ir embora. Não demorou muito para que a noite esfriasse ainda mais e todos sentissem que já estava na hora de ir embora.
Ao me despedir de todos, Sarah perguntou se eu toparia dividir um Uber com ela e, através desse ato, eu aprendi uma vantagem de não ser solteira. Entramos no carro, e não demorou muito para ela desabafar sobre tudo aquilo que eu me questionava. Aliviada por saber que não era só eu, eu a deixei me contar o que a afligia.
Além de se sentir perdida com o fato de que todos estavam acompanhados, ela se perguntava sobre o modelo de relacionamento que ela gostaria de ter. Ao contrário do que eu pensava, o que a incomodava não era ser ou não solteira, mas o quanto as pessoas tendem a esquecer de que um dia elas já foram, e passam a aderir a todas as frases verbos em primeira pessoa do plural.
Ao descer do carro, eu me despedi de Sarah e corri para dentro. Fazia quase quatro graus em Porto e eu não estava devidamente preparada para isso. Descalcei os sapatos e corri para o meu quarto. Ao me cobrir com os edredons, eu descobri mais outra vantagem de estar em um relacionamento.
Porém, naquela noite, eu entendi que para cada solteiro, existe um aquecedor.
A.M.

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