Fantasia vs Realidade

O Porto é uma cidade romântica. Com sua arquitetura nostálgica e a luz mais abrasiva, pode-se sentir que pertence ao um filme clichê da década 1960. Ao andar nas ruas estreitas e se deparar com a beleza da natureza abundante contrastando paredes de pedra firme, é possível sentir que o amor pode aparecer na próxima esquina.

Os restaurantes a beira do rio, o vinho regional e a música melancólica são elementos que contribuem para o perfeito encontro. É possível se perder no embalar da cidade e acreditar que existe alguém que irá cruzar o seu caminho e te mostrar que a sua história vem sido moldada para esse encontro.

Eu já estava cansada de viver uma fantasia que tinha criado para mim. Pode ser o efeito do inverno, as luzes do natal ou o meu delírio patológico. Tudo me fazia acreditar que eu estava perto de finalmente conhecer o meu par ideal. Obviamente nada disso aconteceu, e tive que me obrigar passar pelo processo de luto das coisas que eu nunca vivi.

Pouco se fala sobre isso, mas existe um processo delicado de se desapegar das histórias do imaginário. A narrativa cheia de expectativas que demandou dias para serem criadas e alimentadas. Uma nuvem cheia de sonhos que se tornar o seu lugar favorito. Ali você tem espaço para viver situações perfeitas, conversas coesas e o acreditar em um futuro. Quando algo maior te puxa para realidade, você passa a encarar o processo de se despedir dos devaneios e caminhos irreais.

Voltar para a realidade sempre pode ser um pouco dolorido, as coisas são menos atrativas e mais complicadas. Entretanto, trazer sua consciência para o presente pode ser muito mais surpreendente do que mora na sua mente


Depois de uma semana de várias conclusões, eu decidi sair da bolha e me atirar em sentido ao desconhecido. Eu sentia como se um peso tivesse saído das minhas costas e estava pronta para encarar o que os dias trariam para mim. Não demorou muito para o acaso trabalhar ao favor da minha decisão. Uma amiga de viagem, que pouco conhecia mas muito tinha me conectado, me chamou para encontrá-la, já que estaria no Porto por alguns dias de férias.

Como era feriado, as pessoas estavam mais festivas e os lugares mais movimentados. Giovanni, meu amigo de batalha, topou ir comigo para o bar que fica perto da praça da Cordoaria, onde encontraria minha amiga.

O Embaixada bar pode parecer um a princípio um lugar pequeno e nada convidativo, afinal, todas as mesas ficam do lado de fora e durante o inverno fica difícil querer tomar uma cerveja com vento. Contudo, se for perspicaz o bastante, vai encontrar no fundo do local uma pequena escada escondida ao lado esquerdo que te leva ao segundo andar. Neste ambiente o bar ganha outra proporção e a seleção das músicas são boas o bastante que se questiona se estão a tocar as playlists secretas do seu celular.

Na tentativa de encontrar alguém que não via há meses, enviei uma mensagem e logo percebi que ela não estava sozinha. Em uma mesa cheia de homens, minha amiga se levantou e veio de encontro a mim. No começo me senti intimidada pela possibilidade de ter que conversar a noite inteira sobre futebol e o Império Romano. Porém, conforme o assunto sobre viagens e experiências foram sendo expostos, percebi que conheci mais o universo masculino do que pensava.

Depois de alguns copos, a vontade de sair para dançar só aumentou. Mas parecia que só eu e Giovanni tínhamos disposição e tempo para estender a noite, já que grande parte das pessoas ali estavam só de passagem no Porto.

Sem me preocupar com o resultado final, mas com o que estava acontecendo naquele momento, decidi seguir meus instintos e tomei a decisão de que iria para uma balada, com ou sem o grupo. O que eu não estava esperando é que meu poder de convencimento estava maior do que eu imaginava. Mesmo aqueles que foram embora voltaram para ir dançar.

Cruzando as ruas em direção ao Plano B, uma das baladas mais ecléticas e bonitas do Porto, eu me vi descontraída o bastante para me aproximar da pessoa que eu menos tinha conversado enquanto estávamos no bar. Com seu sorriso despojado e as pequenas linhas ao redor dos olhos, nos conectamos rapidamente ao adentrarmos no club.

Foram dois shots de tequila e alguns minutos do set do DJ que tocava no salão de música Techno para o islenho se aproximar e fazer com que a minha noite tomasse um rumo diferente. Naquele momento não existia passado e eu não ligava para o futuro. Pela primeira vez em muito tempo eu pude parar de contar as horas.

Ao correr na chuva, entrar no táxi e tocar o real, eu encontrei o que eu tanto evitava. Pode-se dizer que foi sorte, ou apenas a lei da atração, mas acordar no dia seguinte de ressaca me fez lembrar das dores e delícias de estar viva.

O resto do dia foi mais complicado, já que eu tinha que trabalhar e meu corpo não reagia mais como há cinco anos atrás. Contudo, mesmo tendo que encarar o dia sabendo que não seria fácil, eu notei que estava mais contente com o que tinha do que eu achava que eu poderia ter.

A.M.

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