Para os supersticiosos, sinais podem ser como uma seta apontando para o norte. Para quem lida com o factício, um acontecimento pode ser apenas acaso. Já para a professora e filósofa Lúcia Galvão, os sinais são formas sutis de nos comunicarmos com a vida, enquanto a sincronicidade é a vida gritando para que você seguir em determinada direção. Indiferente se opta pelo ceticismo ou por uma conexão com invisível, sempre vai haver placas na estrada, utilizar-se delas é uma opção.
Depois de ver um cartaz sobre a Bienal de Fotografia do Porto no metrô, eu decidi que me daria a chance de conhecer artistas regionais. As exposições acontecem em diversos pontos da cidade e foram desenvolvidas após uma iniciativa comunitária para trazer debates sobre sustentabilidade, resistência e práticas transdisciplinares. Eu não sabia muito bem o que esperar, mas minha curiosidade era maior e queria imergir em uma nova perspectiva.
Enquanto me arrumava, recebi uma notificação de vagas de emprego e me surpreendeu que naquele momento não tinha interesse de sair do meu trabalho, mas por algum motivo a vaga encaixava perfeitamente no perfil do meu amigo Andrew. Encaminhei o link para ele que, prontamente me respondeu: “Estava falando sobre você! “.
Foram meia dúzia de mensagens para me tirar do sério. Andrew como sempre estava expondo um pouco mais do que devia sobre a minha vida e eu só conseguia pensar que nunca encontraria seus amigos, já que eles sabem tudo sobre a minha intimidade. Na tentativa de amenizar a minha irritação, Andrew mandou um áudio dizendo que não tinha nada demais sobre a minha história e que não via a hora de apresentar seu amigo, que logo se apresentou dizendo olá.
Quando o estranho ganhou voz, um certo incomodo apareceu repentinamente. Percebi que estava atrasada e sem saber como responder aquela mensagem, optei pelo raso e apenas correspondi as saudações.
Depois de ter explorado a cidade e obras de variados artistas. Senti uma maior conexão com o Porto. Entender que cada lugar tem sua identidade e é preciso manter a cultura local viva é primordial para uma civilização não desaparecer. Em um mundo em que tudo muda rapidamente a cada dia, resistir a tradições através das artes plásticas, música ou até mesmo a culinária, é importante para que histórias continuem vivas.
Ainda andando pelas ruas, encontrei motivação para um vintage shopping e pôr-do-do no Jardim do Morro, já que o dia estava lindo demais para voltar para casa cedo. Para aqueles que visitam o Porto, é primordial ter em sua lista de pontos turísticos o mirante que fica do outro lado da ponte. Localizado em Gaia, a experiência de sentar no ponto mais alto do distrito para ver a vista que parece uma pintura ao vivo. É impossível descrever a beleza de ver o sol a desaparecer na infinitude do rio Ribeira e ver as luzes ascendendo dando uma nova cor ao lugar.
Na manhã seguinte acordei atrasada para a aula, o que me fez repensar o por que eu não tinha voltado para casa mais cedo. Na correria, percebi que o Andrew tinha me mandado algumas mensagens, mas não tinha tempo e nem paciência para aquilo naquele momento. Já que minha próxima aula ia ser sobre Gestão Organizacional e eu realmente não sabia como um nome tão lindo podia ter um conteúdo tão detestável.
Quando finalmente tive tempo para ver as mensagens, notei que ele tinha mandado alguns vídeos e fotos do dia anterior. Liguei para ele imediatamente. Como sempre me respondeu dizendo que estava ocupado, mas logo quando perguntei sobre seu amigo da foto ele parou o que estava fazendo e falou que ia fumar um cigarro.
Andrew ficou desapontado por eu nunca ter prestado atenção no seu amigo antes, já que agora ele estava em um relacionamento. Expliquei para ele que eu sabia da existência da pessoa, mas nunca tinha a visto, ou fazia ideia de como se parecia. O desapontamento era meu de nunca ter recebido uma foto antes.
Quanto mais eu perguntava sobre esse amigo misterioso, menos Andrew poupava informações. O que me fazia sentir como uma recrutadora de recursos humanos ao receber o currículo de um candidato. Ele começou me dando informações como idade e nacionalidade, e terminou contando sobre as aspirações e vontades de seu amigo. Conforme Andrew me contava, ele se empolgava fazendo comparações entre eu e o potencial recrutado.
Eu não sei porque, mas aquela conversa toda também me empolgou, enquanto ao mesmo tempo eu sabia que a realidade era bem diferente do que eu queria. O que me deixou, também, decepcionada por não poder me aproximar de alguém que, aparentemente, poderia ser meu perfect match.
Quando enfim encerramos a ligação, corri para fazer um leve stalk, mas logo dei de cara com a parede quando notei que o cara era oficialmente um low profile. Como é que eu poderia julgar a aparência por outros ângulos, saber se compartilhávamos dos mesmos gostos, ou fazer um mapa astral só para ter certeza que ele não tinha ascendente e lua em Câncer?
Com o celular na mão, eu me vi completamente obcecada, procurando por pistas ou qualquer sinal que provasse as palavras de Andrew era verdade. Joguei o celular no sofá ao desistir de brincar de FBI e fui fazer a única coisa que poderia me trazer de volta para a realidade: comer um pastel de nata.
Ao andar pelas ruas apreciando o doce besuntado de canela, não consegui evitar, mas ficar intrigada com toda aquela história. Para tentar me distrair, entrei em um sebo para vasculhar algum título interessante e barato para ler. Como de costume, dei uma passada na sessão de arte e fotografia e sem perceber a caixa que estava no chão, tropecei colidindo com a estante ao meu lado. Alguns livros se esparramarem pela prateleira e um deles caiu no chão. Ao virar o livro, o título era:
“Todos os caminhos levam a Roma”
Eu não sabia se era um sinal ou um problema de organização de gêneros literários, mas naquele instante eu senti que a vida estava querendo conversar comigo.
A.M.

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