Viver no Portugal é se acostumar com uma das maiores paixões dos conterrâneos: o futebol. Em cada canto do país encontra-se portugueses fanáticos pelo esporte. Sempre que possível, eles se reúnem para torcer pelo seu time do coração. Aqui na Cidade Invicta é o FC Porto. As cores branco e azul são carregadas como motivo de orgulho pois, segundo locais, é o melhor time.

Mesmo tendo nascido em um país que se promove do esporte, nunca tive interesse de ficar em frente a uma tela vendo pessoas correrem de um lado para o outro. Porém, quando eu recebi um convite para ir assistir a liga Euro Feminino, me dei uma chance para criar uma nova perspectiva sobre isso.

O combinado era se encontrar no Sports Bar, que como explicito no nome, era um bar focado em transmitir esportes de todos os tipos. O local oferece diferentes tipos de cervejas, locais e internacionais, além de dispor de dez televisões espalhadas pelas paredes. A decoração não foge da temática e pode ser até comparada com tradicionais pubs.

Ao entrar no bar, logo avistei o grupo da faculdade que estavam sentados perto da tela de projeção. Anna acenou quando me viu e eu apontei para o balcão, sinalizando que iria pegar uma bebida. Em menos de um minuto recebo uma mensagem no celular, era ela pedindo um Caneco de Super Bock (o que não me surpreendia).

Ao sentar na mesa, notei que todos estavam muito concentrados no conteúdo da TV, o que me dava a impressão que aquela noite não seria de muito papo. Entreguei a bebida a Anna, que prometeu fazer a próxima rodada e cumprimentei João, que fazia as classes de Relações Públicas junto comigo.

– Preparada para torcer para Portugal? – João perguntou com excitação.

– Claro! Até coloquei meu bandana da sorte. – Apontei para a minha cabeça. João percebeu o sarcasmo na minha entonação, deu um sorriso e voltou a tela.

Anna se aconchegou ao meu lado e apontou seu celular que tinha a foto dela abraçando um homem.

– Sabe que é ele? – Ela perguntou.

– Não faço ideia. – Respondi dando um gole na minha bebida.

– É o cara do Tinder!

Reagi espantada ao associar quem era e perguntei:

– Deu certo?

– Supeeer! – Ela respondeu em um tom de voz alto e todos a volta olharam com sinal de reprovação. Anna diminuiu o volume e continuou: – Super. Já saímos várias vezes desde a última vez que eu te contei e, eu não sei, acho que estou gostando dele.

– Cara, fico muito feliz em ouvir isso! Confesso que no começo eu achei ele estranho com aquele papo de “mulher ideal”. Mas é bom saber que era só uma impressão.

– Ahh! Ele jogou um papo meio conservador, mas eu entendi que é só uma forma dele transparecer segurança. 

– Só não deixa ele votar no Chega. – Dei um sorrisinho de lado.

– Aí eu que vou ser obrigada a dar um chega para lá! – Nós duas rimos e o bar inteiro voltou-se para nós com olhar de repudio. Eu e Anna descaradamente fingimos que não era conosco e voltamos a atenção ao jogo.

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Quando o juiz o apito soou informando que a partida tinha sido encerrada. A França venceu de 2×0 para Portugal, e o clima na mesa estava denso a ponto de ser possível cortar o ar. Inevitavelmente meus colegas desanimaram em continuar a beber e foram para a casa. Eu e Anna decidimos ficar mais um pouco, mas não nos demoramos para pedir a conta.

Ao caminhar em sentido a porta, Anna deu um salto e disse:

– Ai meu deus, ele está vindo!

– Quem?

– O cara do Tinder!

– Você sabe que já pode começar a chamar ele pelo nome, certo? – Disse ironicamente. Tinha dias que eu só não conseguia me conter.

– Ai meu deus! Eu não estava esperando por isso! – Ela perguntou preocupada – Você pode ficar comigo até ele chegar?

– Claro, querida! Não se preocupa, até porque minha casa é perto daqui.

– Ufff. Me desculpa. Às vezes ele é intenso demais. – Anna acrescentou.

– Incrível como ainda acham que as mulheres é quem são. – Dei uma piscada para ela que concordava com a cabeça.

Paradas por mais de vinte minutos na porta, comecei a duvidar se esse cara estava realmente vindo. Anna vendo que eu tinha começando a perder a paciência, começou a contar suas aventuras no Canada, porém foi interrompida por alguém. Finalmente ele tinha chegado!

– Desculpa! – O homem disse ao se aproximar – Você tem isqueiro?

Eu bufei que percebi que ele não era quem esperávamos.

– Não. Foi mal – Anna respondeu.

– Desculpa incomodar, eu não queria te chatear – Ele olhou em minha direção, mas antes mesmo de eu dar uma resposta ele perguntou: – Alguém já te disse que você se parece com aquela atriz…

– Jessica Alba? Sim, já. – Eu o cortei para adiantar a conversa repetitiva. Ele sorriu.

– Desculpa eu nem me apresentei a vocês. – Ele estendeu a mão – Sou o Jean.

Estendi minha mão em cumprimento e me questionei o que não se faz por uma amiga.

– Estavam assistindo à partida de futebol? – Jean continuou.

Anna que estava concentrada em seu celular, deu uma risada e disse:

– Oui, oui! Upii. Allez les Bleus! – Ao perceber o tom amargo em sua voz eu podia confirmar que ela levou um bolo.

–  Ahh! Supportez-vous également l’équipe de France?¹ – Jean disse com um francês impecável e, rapidamente, minha cabeça processou que todas as suas características e seu nome só poderiam ser de um francês.

– Je ne soutiens rien et je ne veux même pas parler.² – Anna respondeu com seu francês fluente e eu me questionava para onde tinha ido os meus dois anos e meio de aula – Eu estou indo, okay? – Ela olhou para mim.

– Mas e o cara do Tinder? – Perguntei confusa.

– Não vai rolar. Quando eu tiver uma noção melhor sobre essa situação eu te conto. – Anna me deu um beijo em cada bochecha e apontou para o carro. – Meu Uber chegou. Au revoir!

Ao ver ela entrar no carro, deparei que Jean ainda estava ao meu lado.

– Ehhh, acho que tem algo acontecendo e eu não quero atrapalhar. – Ele disse educadamente.

– Está tudo bem! Mas acho que já deu minha hora também. – Disse enquanto atravessava Jean para ficar no sentido do caminho de casa. 

– Entendo. Bom, foi um prazer te conhecer, Jéssica Alba.

Eu ri, levantei a mão como um gesto de tchau e parti.

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Na manhã seguinte acordei com o meu telefone explodindo de mensagens. Ainda com os olhos entreabertos peguei o celular e vi que Anna tinha me enviado sete prints de tela, doze mensagens de texto e quatro de áudio. Acontece que o cara do Tinder não era um conservador, mas casado.

Enquanto meu cérebro recebia toda aquela informação, notei que tinha 23 minutos para sair de casa se eu não quisesse chegar atrasada na aula. Deu um salto da cama e comecei a me vestir enquanto ouvia o podcast da Anna. Com a cara lavada e o cabelo preso em um coque mal feito, sai de casa e ouvi minha barriga roncar.

A caminho da estação da Marquês, decidi fazer uma rápida parada na padaria e comprar um sande. Ao entrar olhei no relógio e notei que já estava atrasada.

– Se isso não for uma coincidência, eu tenho que pedir para você parar de me seguir. – Alguém sussurrou no meu ouvido e eu dei um pulo.

– Jean! – Disse quando reconheci o rosto. A mulher do balcão me chamou e eu me aproximei para fazer o meu pedido. Finalmente eu colocaria algo no meu estômago.

Peguei a embalagem com o alimento ainda quente e fui de encontro a Jean que estava ao lado de fora.

– Desculpa, mas eu estou atrasada para a aula, não vou conseguir ficar para conversar – Eu disse a Jean ao sai da porta

– Sem problema Jéssica, posso ao menos ter o seu contato? – Eu sabia que a essa altura eu já tinha perdido a primeira aula.

– Claro! – Peguei o celular que ele estendia com a página do Instagram aberta e procurei meu perfil. É incrível como passamos a adquirir o aplicativo como uma fonte de contatos. – Está aqui. – Devolvi o celular a Jean.

– Perfeito! Vai lá, não quero que se atrase mais. Tenha uma boa aula! – Ele disse.

– Obrigada!

Ao entrar no trem, sentei e liguei para a Anna. Ela não atendeu. Pensei que talvez tenha sido melhor assim. Deixei uma mensagem para ela e guardei o celular no bolso. Nem um minuto se passou e senti o celular vibrar, peguei-o novamente esperando uma mensagem de Anna, mas encontrei uma notificação do Instagram.

“Acho que eu cometi um erro, Jéssica. ”

Era Jean. Respondi:

“O que aconteceu? ”

Ele respondeu:

“Eu deixei você partir mais uma vez”

A partida de futebol pode não ter sido o que eu esperava, mas eu percebi que enquanto uns perdem, outros ganham.

A.M.

¹CHEGA é um partido que se constrói como a terceira força política de Portugal. É conhecido por seu discurso sobre o conservadorismo.

²tradução: Você também torce pela seleção francesa?

³tradução: Não torço para nada e nem quero conversar.