Existe uma tendência natural do ser humano em resistir a mudanças. Talvez, isso se dá ao fato de que gostamos de flertar com o controle. Quanto mais confortável e seguro algo pareça estar, mais queremos ficar. Esse comportamento, de certa forma, vem de uma ingenuidade, já que nós sempre estamos sujeitos a sofrer impacto de acontecimentos externos. Mesmo com essa consciência, porque ainda escolhemos nos agarrar as circunstâncias conhecidas e resistir ao novo?
Depois de longas semanas de calor, praia e comida fresca, eu estava de volta a rotina de aulas. Retomar o ritmo de acordar cedo, atravessar a cidade e ouvir por horas conteúdos que fazem você se questionar se escolheu o curso certo, só me traziam a nostalgia do verão. Mas foi em uma terça-feira, ao chegar na classe e não encontrar ninguém, que notei que estava desconectada, que não chequei o comunicado de que não havia aula naquele dia.
Na frustrante caminhada de volta para casa, eu recebi uma ligação de Giovanni. Era aniversário dele e ele estava no Porto. E como um golpe de sorte, ele me perguntou se eu estava livre e se eu podia encontra-lo. Sem pensar duas vezes, apanhei o metro e fui de encontro a ele.
Logo ao sair da estação São Bento, notei que não importava o dia ou hora, aquele lugar sempre estaria cheio de turistas, locais e comerciantes perambulando por todos os lados. Olhar para aquilo me trouxe um sentimento de pertencimento a cidade. Sempre desfrutei desse lugar de ser uma entre muito, e depois de fazer isso em diferentes países, isso evoluiu para uma sensação de pertencer ao mundo.
Do outro lado da rua eu avistei Giovanni. Ele estava vestindo roupas leves de tons pastéis e, como sempre, carregava sua ecobag. Fiz um sinal para que ele esperasse, e quando o semáforo ficou verde, eu atravessei a faixa de pedestre e logo o abracei.
– Feliz aniversário, amigo! – Eu disse descansando minha cabeça em seu ombro.
– Obrigado, obrigado! – Ele respondeu com certa emoção e nos afastamos da multidão que parecia incomodada por estarmos bloqueando a passagem.
– Eu fiquei surpresa com a sua mensagem, não esperava que estaria aqui no Porto para o seu aniversário. – Eu disse enquanto íamos em sentido a Igreja da Sé.
– Pois, amiga. Eu tinha programado uma viagem, lembra? – Eu concordei com a cabeça. – Acontece que eu perdi o voo. O que foi algo muito estranho porque eu estava lá, eu de fato estava no aeroporto, mas descobri que o portão que eu esperava não era o correto, então tive que correr para o outro, e quando eu cheguei, eles já tinham dado sinal de partida.
– Está brincando? – Perguntei indignada.
– Não, amiga. – Giovanni respondeu com tristeza. – Mas eu acho que foi até bom, sabia? Pensando bem, fiquei imaginando que eu nem aproveitaria o dia porque estaria ocupado fazendo passeios turísticos. Estar aqui no Porto está fazendo mais sentido para mim.
– Então vamos fazer esse dia valer! – Disse enquanto colocava essa afirmação como meta.
Já estava quase na hora do almoço e minha barriga não deixava eu esquecer disso. Por ter me programado em ir a aula, eu tinha feito a minha primeira refeição cedo, o que só intensificava a irritação de não ter checado o portal da universidade no dia anterior.
Como estávamos perto da Ribeira, decidi levar o Giovanni para um restaurante que uma vez tinha ido e sabia que seria uma das melhores vista do rio Douro. Enquanto caminhávamos ele me contava sobre todo o processo reflexivo que ele estava passando, e que acreditava que estava na hora de reformular algumas coisas em sua vida. Já fazia algum tempo em que ele estava insatisfeito com o seu trabalho e com a sua rotina.
Ao chegar ao restaurante, pedimos duas canecas de Super Bock, duas bifanas e algumas fritas para acompanhar. Da nossa mesa dava para ver as pessoas cruzando a ponte de um lado para o outro, e mais ao fundo, o rio brilhando o reflexo da luz do sol. O Porto tinha uma magia em sua simplicidade que era difícil não se encantar.
– Você tem planos para fazer algo hoje a noite? – Perguntei enquanto mordia minha bifana que estava extremamente saborosa.
– Hmmm, eu não tenho nada em mente, já que hoje eu estou vivendo no freestyle. Mas estava pensando que talvez seria interessante chamar algumas pessoas para tomar uma cerveja mais tarde. Mas sendo bem honesto? Não estou afim de agitação. – Ele disse em um tom frio.
– O que está acontecendo, ein? Você anda tão desmotivado recentemente. Fico preocupada.
– Amiga, não tem nada acontecendo na realidade, e eu acho que é daí que vem o incomodo.
– Disserte. – Eu disse na tentativa de ele continuar falando enquanto eu desfrutava da comida.
– Bom, na teoria as coisas estão boas. O meu trabalho me proporciona tudo o que eu preciso no momento. Eu, de certa forma, estou em um relacionamento tranquilo com o João. Mas… – ele deu uma pausa. – Eu não quero mais estar ali.
– Uau! – Eu disse enquanto limpava a boca com o guardanapo. – E o que te impede de sair dessa situação?
– Eu honestamente não sei. Talvez é aí que more o incomodo. Nada me impede de procurar um outro emprego, ou de conversar com o João que não está mais funcionando, porém, de certa forma, me falta o impulso para fazer essas coisas.
– Impulso?
– Sim! – Giovanni se ajustou na mesa – Você lembra aquela lei da física que diz que para um objeto sair do seu estado original é preciso a aplicação de uma força externa.
– Nossa, você fez a física soar tão poética… – Eu disse rindo.
– Amiga, ela me ajuda muito a refletir sobre a vida. – Giovanni deu uma pausa pensativa – Então, continuando, essa “força externa” é o que está faltando para mim.
– Mas isso pode ser um pouco perigoso, não? – Eu continuei: – Pensa comigo, se você espera que algo venha de fora para que você possa dar um próximo passo, o quanto você não está jogando a sua vida na mão do acaso? Talvez essa força externa seja benéfica, mas e se não for? Não acha que é melhor você ter a escolha de dar um rumo melhor para essas situações.
– Por isso que o nome dessa lei é Inércia, amiga! – Giovanni deu uma gargalhada que me fez rir também.
O ambiente ficou mais leve e trocamos de assunto. Tive a oportunidade de conhecer mais sobre o meu amigo, o que só me fazia pensar o quanto uma pessoa pode ser tão complexa. Mais tarde, fomos embora do restaurante e caminhamos de volta para casa. Ao chegar na parte que nossos caminhos se diferem, Giovanni me deu um abraço e a gradeceu pelo almoço.
Ao chegar em casa me joguei no sofá e senti minha cabeça girar, talvez tinha bebido mais do que parecia e acabei adormecendo por ali mesmo.
Depois de alguns dias, Giovanni me mandou uma mensagem: ele tinha recebido uma oferta para trabalhar em outro setor da empresa, agora assumindo as obras do metro do Porto. Eu não poderia ficar mais feliz por ele. Na mesma mensagem ele complementou que dessa vez a “força externa” tinha colaborado em seu favor, mas que não tinha certeza se essa mesma sorte aconteceria em relação a João.
Quando me questiono o porquê nos agarramos as circunstancias e não nos lançamos ao novo, acredito que generalizo demais a vida. Afinal, o que é o novo? Será que eu preciso estar indo de encontro a ele a toda hora? Talvez se demorar, tirar proveito do que eu já conheço seja proveitoso. Contudo, contrariando a lei de Newton, eu acredito que se há indicadores como insatisfação ou desejo por outra coisa, não precisamos esperar algo de fora ditar o que já existe dentro.
A.M.

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