MAMMAMIA!

Início de semestre pós verão significa renovação. Os turistas que antes desfrutavam os seus passeios românticos e a vista do Douro, agora retornam para as suas casas e a cidade começa a ser habitada por estudantes. A cidade do Porto, além de seu tradicional vinho, possui fama pelas universidades que ficam espalhadas por todos os lados. Dentro de cada campus existem centenas de estudantes locais e também estudantes ERASMUS.

ERASMUS+ é um programa estudantil de muitas universidades da União Europeia (e outros países a fora), que promove a mobilidade dos alunos ao longo do seu período estudantil. Muitos países hoje não só incentivam o programa como se beneficiam do giro econômico que isso traz para a região. Mas o Porto é disparado uma das cidades mais procuradas pelos estudantes. E por que isso?

Bom… Primeiro, Portugal é um dos países mais baratos para se viver na Europa. Sendo assim, muitos alunos que ainda não possuem independência financeira conseguem morar aqui com a ajuda dos pais. A qualidade de vida e a segurança da cidade também é um fator que incentiva. Além de ser uma cidade cheia de atrações gratuitas, você também consegue aproveitar praias, citybreaks e, é claro, festas. Cada vizinhança parece ter sido desenhada para receber um bando de jovens com fome de viver. Por final, o bônus de estudar aqui é que, grande maioria das universidades de Portugal validam você optar por fazer apenas um exame final para fechar o semestre.

Claro que, vindo do Brasil, a minha realidade não era a mesma. Para conseguir chegar aqui eu tive que encontrar um trabalho full-time e economizar meses antes para poder me bancar. O que para muitos era uma chance de aproveitar um intercâmbio, para mim, era uma oportunidade única. Mesmo assim, queria experimentar o máximo que conseguisse.

Não demorou muito e logo fui convidada para uma festa na Adega Leonor do grupo de engenharia. Existia uma certa estima sobre os alunos da FEUP (Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto), já que qualquer aluno que estivesse ali seria bem-sucedido no futuro. No meu caso, a única coisa que me animava sobre esse evento era que a cerveja seria mais barata e havia rumores que um DJ tocaria no bar.

Logo quando cheguei na praça da Cordoaria percebi que seria impossível conseguir uma bebida. Já na parte de fora as pessoas se exprimiam para entrar nos bares. Porém, minha amiga da universidade, Anna, estava determinada a conseguir sua cerveja com desconto. Com tanta determinação, ela cortava a multidão de alunos de todo o canto do mundo até que conseguir chegar na porta do bar.

A Adega Leonor é um dos bares mais famosos no Porto (crédito aos alunos que aqui já passaram). A decoração é singular, as paredes são cobertas por ID’s que os estudantes perderam, e bandeiras de todos os países ficam penduradas no teto. Proporcionando um valor ainda maior para a história daquele lugar. O bar é estreito e sempre movimentado, mesmo tendo três andares não consegue acomodar mais do que cinquenta pessoas. Porém, foi naquela noite que, os estudantes de engenharia conseguiram comprovar que a lei de Newton é só questão de perspectiva.

Eu e Anna estávamos na fila já fazia alguns minutos e nada se movia, na verdade, tudo ficava cada vez mais apertado e estressante. Naquela altura já estava quase oferecendo para pagar a ela uma cerveja em outro lugar. Mas foi em um desses empurra-empurra que um garoto de dois metros de altura esbarrou na minha amiga e derrubou metade de seu copo de cidra Summersby, molhando todo o seu braço. Eu só queria agradecer ao desajeitado, imaginando que ela iria desistir imediatamente de estar ali, mas fui surpreendida quando ela disse “Vou no banheiro me limpar. Não sai da fila e, caso você chegar lá, pega cerveja para nós. Te encontro aqui” e sem deixar eu replicar ela desapareceu na multidão.

Já não consegui mais disfarçar o meu mau-humor. Nada mais fazia sentido, e a cerveja nem valia mais a pena, tudo o que eu queria era pegar a bebida, entregar para Anna e sair dali imediatamente. Desbloqueei meu celular e tentei me distrair no meio daquele caos, mas um grupo de italianos começou a gritar na minha frente, o que me desconcentrava até de entender uma imagem do Instagram. A irritação começou a ficar maior e eu nem conseguia imaginar como estava meu semblante. Até que um dos garotos se junta ao grupo e diz “Vocês estão berrando, não conseguem ver que a garota está odiando vocês?” e por um segundo percebo que compreendi o garoto disse. Mesmo com o sotaque forte, o estranho falava inglês e, inevitavelmente, meus olhos foram de encontro aos dele.

Com um metro e setenta e três de altura, cabelos dourados e olhos da cor do mar mediterrâneo, o italiano conseguiu transformar minha irritação imediatamente em risada. “E não é que ela tem um lindo sorriso? ” Ele disse olhando para mim. Agradeci com um gesto e o grupo se fechou, só que dessa vez falando um milésimo de volume mais baixo. O desconhecido vem até mim e estendeu sua mão.

– Me chamo Matteo e você?

Eu me apresento apertando sua mão. Ele responde:

– Desculpa pelos meus amigos. Eles acabaram de chegar da Itália e ainda estão se ambientando.

– Sem problemas — Eu digo. — Na verdade, a culpa nem é deles, só quero pegar uma cerveja e cair fora daqui.

Ele olha para o lado e diz:

– Me espera aqui dois minutos. — E ele some no meio das pessoas, e novamente me vejo naquela bagunça tendo que esperar.

Pego meu celular de novo, mas em poucos segundos sinto uma mão me puxando. É o italiano fazendo um sinal para que eu o seguisse. Subimos para o segundo andar e Matteo segue em direção a uma mesa ao fundo do espaço. Ele cumprimenta algumas pessoas que estão ali na mesa e me apresenta a todos pelo o meu nome, mas em nenhum momento apresenta os outros a mim. Ele pega uma jarra grande de cerveja e coloca dois copos e me entrega um.

– Posso pegar outro? — Olho o copo e depois para ele. — Se eu aparecer só com essa cerveja minha amiga me mata.

Sem pensar muito ele encheu mais dois copos e olhou para mim e disse:

– Só para garantir — E indicou com a cabeça para eu ir sentido às escadas.

Ao sair do bar, um golpe de ar vem até mim trazendo alívio depois de tantas horas sufocada. Seguimos em direção as muretas, aonde Matteo apoiou os copos e encostou na grade para bolar seu tabaco. Ao terminar ele olhou para mim e pergunta se aceitava um.

– Você também é estudante de Engenharia? — Ele pergunta e logo caio em gargalhada.

– Longe disso. Números não é comigo — Ele olha sem entender e pergunta:

– De onde você é?

Eu respondo:

– Sou brasileira — Ele sorri.

– É a primeira brasileira que conheço — Olho espantada sem entender como isso é possível.

– Não crie muitas expectativas — Ele dá uma risadinha e outra tragada em seu cigarro. E então, o silêncio é cortado com uma voz conhecida.

– Ai está você! — Anna vem até mim acompanhada de mais duas pessoas. — Essa e minha cerveja? — Ela aponta já pegando o copo.

– Sim, é seu — Dou uma olhada para Matteo e ele concorda rindo.

Minha amiga apresentou as pessoas que ela tinha acabado de conhecer na fila do banheiro e eu apresentei o italiano. Ficamos ali por mais alguns minutos, até que começou a tocar música na praça e uma das pessoas da roda cogitou de irmos para uma balada. Senti que aquela era a minha deixa, já que todo o meu carisma tinha sido gasto dentro do bar. Começo a me despedir e então Matteo pergunta se pode me acompanhar até em casa, já que sentia que a noite para ele estava no fim também. Explico mais ou menos aonde moro e ele topa subir a Baixa comigo.

Durante a crucial ladeira em direção a minha casa, eu e o estudante de engenharia podemos nos conhecer um pouco mais, e eu adorava como ele sempre tinha uma piadinha pronta para cada comentário sarcástico que eu fazia. Ele contava que tinha começado as aulas de surf e que sentia que o ensino em Portugal era bem mais tranquilo do que na Itália. Já eu contava que essa era minha segunda vez morando na Europa e estava sendo muito bom poder viver em uma cidade calma como o Porto.

Chegando na porta de casa me despeço de Matteo e ele diz:

– Eu sei fazer Carbonara. — Ele olha para mim, mas continua quando percebe que eu não respondo — Se quiser… posso um dia cozinhar para você.

E foi assim, de forma totalmente desprevenida, que eu descobri que antes do amor à primeira vista, existe a comida Italiana.

A.M.

Leave a comment

Comments (

0

)