O Prato Principal

São Paulo tem a fama de ser a cidade que nunca dorme. Com os dias agitados e as noites eletrizantes, se torna quase impossível viver um dia em 24 horas. As largas avenidas e os prédios altos são apenas pistas da imensidão da selva de pedra. Para além do ritmo caótico, a cidade não dá espaço ao tédio (e ao descanso).

Por muito tempo, acreditei que ter nascido em uma cidade tão agitada me tornava semelhante. Quase como se eu carregasse as características do local em meu DNA. Afinal, como eu poderia viver em um lugar em que as pessoas não cultivam a arte do Happy Hour? Ou, como me adaptar a um apartamento sem o barulho das dezenas de vizinhos? Ou, até mesmo, não ter que enfrentar filas em qualquer lugar público?

Não importa a situação, eu sempre pensei que essa era a forma de viver a vida. Sempre fui acostumada a lidar com idas e vindas, até porque, em uma cidade tão grande, apegar-se a pessoas e situações é a formula perfeita para frustrações. Contudo, foi através de uma carta da Universidade e um voo de onze horas, que me vi a 8,189 km da cidade que foi berço e escola da minha história.

Em um estalar de dedos, minhas roupas reduziram-se a 32 kg e troquei a maquiagem pelo bronzeado. As frases perderam o gerúndio e qualquer lugar estava no máximo há 20 minutos de distância. Mas foi no dia em que eu desci até o limite da cidade e vi a ponte D. Luis I, que houve a confirmação: Eu agora eu moro no Porto.

Sendo a segunda maior cidade de Portugal, Porto possui aproximadamente 231 mil habitantes e 41,42 km2 de área total. Conhecida por ser uma cidade turística e de polo estudantil, sempre traz o frescor de gente nova. No caso, a pessoa nova era eu.

Logo na primeira semana fui apresentada ao Somersby com absinto e a rua das Galerias. Sem entender ao certo o que encontraria por lá, me joguei na noite sem intenções e muita curiosidade. Do lado de fora é quase impossível decifrar o que há do lado de dentro, mas com o entra e sai de cada pessoa é possível ouvir a música eletrizante vazando pelo ar.

Depois de alguns shots de tequila e várias músicas pop a interação expandiu para um grupo desconhecido. Logo de cara foi possível identificar que não eram nativos, mas foi na troca de uma ou duas conversas que o sotaque americano surgiu. Ao dançar ritmos brasileiros, o estrangeiro se animou em aprender alguns movimentos e, o entretenimento foi mostrar como se rebola sem parecer um tronco de madeira.

O seu nome era Josh, um nome bastante comum, mas o que me chamava atenção era seu jeito divertido e o fato que estava de boné e óculos escuros dentro de uma balada. Conforme evoluíamos nos passos, mais nos aproximávamos até que, naturalmente, estávamos colados e ela envolvia o braço em torno da minha cintura sem nenhum desrespeito. Do outro lado do bar estava meu amigo que, por acaso, estava de passagem na cidade de férias com a família e decidimos nos encontrar.

De longe via que ele já não estava tão sóbrio e eu sentia a tensão de querer escapar para outro lugar. Não demorou muito Daniel, meu amigo, se aproximou dizendo que era melhor voltar para o hotel e se eu podia acompanha-lo até a ponte, já que só tinha decorado o caminho até ali. Olhei para o americano, e ele sem falar uma palavra sorrio e me acompanhou.

Durante o trajeto foi possível conhecer um pouco mais da pessoa que estava por detrás do disfarce. Parecia um cara legal que tinha decidido sair da bolha e tentar conhecer o mundo, o mais interessante é que sua mãe o acompanhava nessa jornada. Falamos um pouco sobre cultura, turismo e joias. Ele mencionou que meu colar de pedra bruta foi a primeira coisa que lhe chamou atenção e que amava tudo desse universo, inclusive, carregava muitos anéis em seus dedos. O que eu mais gostei foi um de pedra esverdeada e brilhante que ele tinha no dedinho. Pois na hora ele sacou e colocou no meu dedo anelar.

Meu amigo se despediu e com muito álcool na cabeça disse “você vai transar hoje à noite”. Ele não estava errado, mas naquela altura eu nem tinha beijado o rapaz que inconscientemente tinha me proposto em casamento. Logo respondi “Ainda bem que ele não entende português. Me manda mensagem quando chegar no hotel”.

Quando ele desapareceu da nossa visão, Josh me puxou para perto de si, e meu rosto se juntou ao seu, ele soltou um sorriso leve e nos beijamos. Seu hálito tinha gosto de menta e black pepper, quase como se tivesse comido uma ótima refeição e logo após ter escovado os dentes. “Should I order na Uber?” — ele disse. E sem pensar, lá estava eu atravessando a cidade que tinha acabado de chegar.

Ele estava hospedado em um hotel na Boavista, o que levava ser mais moderno e afastado dos pontos turísticos. Quando o carro estacionou, ele saiu primeiro e contornou o carro para abrir a porta para mim e tudo o que eu fiz foi rir. Naquela altura da madrugada eu não sabia se era um delírio ou o cavalheirismo ainda existia. O hotel era envolvido por grandes painéis de vidro, tornando possível ver todo o lobby do lado de fora. O elevador era panorâmico e os corredores eram bem tradicionais com paredes de madeira e piso de carpete. A sensação era boa e fazia um bom tempo desde que eu não via cartões sendo usados como chave.

Ao entrar no quarto, a suíte me surpreendeu. Toda a mobília era altamente moderna e o quarto amplo. A janela ao fundo tomava toda a parede e a vista parecia uma pintura emoldurada. Em poucos minutos Josh conseguiu me deixar a vontade e me ofereceu seu celular para escolher a música. O que foi uma grande catástrofe, pois não conseguia lembrar de nenhuma música que combinasse com o momento, então tive que apelar para um playlist de R&B.

Conversamos um pouco e ele mencionou que precisava tomar um banho, ao notar que estava cheirando álcool e suor, perguntei se poderia ir em seguida. Sem pensar por um segundo ele disse “It’s better to save some water for the planet’s good” e jogou-me a toalha quase como um convite. Sem hesitar fui em direção ao banheiro e lá já pude ver ele abrindo a torneira da banheira. Ele tirou a camisa e sentou na borda da banheira, me aproximei dele e de forma bem lenta ele foi tirando a alça do meu vestido que, por ser de seda, foi escorrendo facilmente pelo corpo até chegar no chão.

Ele beijava cada parte do meu corpo e conforme ia alcançando a roupa intima ele me olhava como forma de confirmar se eu estava confortável. Entramos na banheira e tudo se tornou muito sensorial, a temperatura da água e o cheiro dos aromatizantes do banho só aumentavam a experiência. Cada mão, cada olhar e cada beijo se enchiam de vontade conforme o tempo passava.

Quando os dedos começaram a enrugar, foi a hora de transitar para um lugar mais seco e assim fomos para sua cama cheia de travesseiros e de edredom branco. As preliminares eram divertidas e leves, talvez, a melhor forma de descobrir o corpo de alguém. Até o momento que ele me virou e pude sentir que avançamos para outro momento. Comecei a curtir cada passo daquela dança até que pisquei e ele já estava do meu lado, estirado e rindo.

Sem entender, me aproximei dele e o beijei. “That was awesome” — Josh disse. Respondi com um sorriso que disfarçava minha dúvida do que tinha acontecido. Me demorei um pouco ao lado dele, mas sabia que naquela noite eu iria dormir na minha cama. Então, me levantei e me arrumei para ir embora, ele, muito educado, se ofereceu em pedir um táxi e me acompanhou até a porta do hotel.

Ao entrar no carro, ele me deu um beijo e disse para eu avisar quando chegasse em casa. Como sempre, não fiz nada disso, mas mandei um áudio contando a história para meu melhor amigo, Andrew, que ouviria um podcast quando acordasse.

Na manhã seguinte, encontrei duas ligações perdidas e algumas mensagens do meu amigo Daniel. Todos estavam vivos. Fui ao banheiro e sentada no vaso ria sozinha lembrando da noite. Peguei meu telefone e liguei para Andrew, em um toque ele atendeu e disse “Con-ta, tu-do”.

A cada frase ele explodia de risada e não acreditava no que tinha acontecido. Mas ainda com dúvidas do que tinha acontecido durante o sexo, expliquei que antes dele terminar eu tinha a sensação de ter tirado um cochilo, já que tudo tinha acontecido tão rápido e não me lembrava de como fomos de um instante a outro. Andrew parou, ficou em silêncio por alguns segundos, e disse “Você não dormiu, querida. Ele foi rápido mesmo”.

E como um golpe eu entendi que, em alguns casos, a entrada é melhor do que o prato principal.

A.M.

Leave a comment

Comments (

0

)