Os Enamorados

Em um desses picos de ansiedade para saber o que esperar do meu futuro, decidi ir em uma cartomante que minha amiga Louise tinha me indicado. A cartomante tinha fama por ser certeira e não esconder as verdades — mesmo que doa. Sem estar preparada para saber sobre o destino reservava para mim, optei por escutar algumas broncas. As preocupações perturbavam os meus dias e a vontade de saber as cenas do próximo capítulo era maior do que economizar dinheiro para pagar as contas.

A sessão durou mais de duas horas e muito do que ela falou eu não lembro mais. Exceto pela carta que saiu quando perguntei sobre relacionamentos. Com as unhas compridas, a madame bateu três vezes na carta e disse com um sorriso: “Essa é a carta dos Enamorados”. Mesmo sem entender, fingi costume e ela continuou: “Você vai viver o mais puro amor, minha querida! MAS… terá que escolher entre esses dois aqui”. Me voltei a carta e vi o desenho de duas pessoas. Ela prosseguiu: “Essa é a carta mais rica para relacionamento, significa prosperidade no amor e muito, mas muito romance. Porém, pede que você escolha um deles o mais rápido possível, se não, vai acabar sozinha”.

Ainda tonta depois de tantas revelações e incensos queimando a todo momento, sai do consultório místico e fui encontrar minha amiga da época de cursinho e fofocas na escadaria da Cásper Líbero. Ainda um pouco tonta, parei no meu Starbucks favorito que fica na Almeida Santos e pedi um Chai de frutas vermelhas. Aquele lugar sempre me trazia boas memórias, e me deixava nostálgica ao lembrar de todas as vezes que tinha ido ali e pedir sempre a mesma bebida.

De última hora, eu e Laura decidimos nos encontrar ali mesmo já que chovia muito e o trânsito não favorecia em nada. Depois de tantos meses sem nos vermos, precisaríamos de muitas horas para colocar o papo em dia. Quando ela chegou, não demorou nem um segundo para ela ir direto ao ponto e começar a contar toda as notícias bombásticas, e eu, de forma muito educada, não conseguia fechar minha boca de tanto choque. Quando nos conhecemos, Laura já tinha um relacionamento estável com um cara que parecia ser predestinado para ela. Desde muito nova, ela já sabia que ia casar com ele e constituir família. Mesmo depois de dois anos distantes um do outro, eles se mantinham firmes no relacionamento e sempre estavam se atualizando e fazendo planos. Porém, bastou uma virada de chave para seu então noivo, decidir acabar com 9 anos de história.

Naquele momento só pude sentir o choque e a aflição de tudo aquilo que tinha acontecido, mas ela, com toda a calma do mundo, me disse que aquilo tinha sido a maior libertação da vida dela. Ela contou que depois de tanta dedicação para manter o relacionamento estável e constante, e todo esforço para se manter presente e fazer as vontades dele, percebeu que ela estava vivendo para ele. Agora, ela está resgatando suas vontades sem pensar no outro, e pela primeira vez em muito tempo, está se dando a chance de ser a pessoa que vai receber o amor.

No caminho de volta para cada, tive a oportunidade de dirigir por algumas horas já que o percurso era mais longo do que de costume. Atravessando a cidade, a música Glory Box começou a tocar dando um tom poético para aquela garoa fina nas ruas de concreto. Ao cruzar o viaduto leste-oeste vi o Farol Santander iluminando o centro com a sua cor vermelha, e todo esse clima cinematográfico me deixava ainda mais reflexiva. Tantas revelações não pude deixar de me questionar o porquê nos sabotamos a ponto de investir em alguém que não sabem nos amar?

Muitas vezes, quando entramos em certos relacionamentos, sabemos o tanto que uma pessoa consegue nos dar e medimos o quantos vamos retribuir. Quase como uma conta simples de matemática, entendemos que nada precisa ser além do que o justo. Pode ser que o relacionamento não dure muito, mas pelo menos não deixa cicatrizes e nem traumas. Contudo, sempre tem aquela pessoa que consegue sugar absolutamente tudo. Você entrega tudo de si e isso nunca é o suficiente, deixando marcas de frustração e anos de terapia.

Já fazia um tempo que estava vivendo um resto de história que perseguia tanto eu quanto Mr A. Quase como se estivéssemos ali por respeito e conveniência. Já tinha me acostumado com toda a rotina e também com os trejeitos. Quando eu me magoava, sempre escrevia um texto, quando ele se magoava, sempre mandava uma música. No final das contas, já sabíamos que estávamos passando a batata quente para ver com quem que ela explodia. Eu só conseguia sentir culpa, medo e saudade. Mas tudo isso assegurava que daqui para frente as coisas teriam que ser diferentes, porque as circunstâncias estavam.

Ao chegar em casa, peguei o telefone e percebi que mesmo depois de muitas horas fora do ar, não tinha uma mensagem perguntando se estava viva. Tomei um banho e aproveitei o resto de noite para assistir uma série e me preparar para dormir. O interfone tocou e fui obrigada a me levantar. Com uma voz tremula e absolutamente nervoso, o porteiro pedi para eu ir ao subsolo urgente pois tinha parado na vaga errada. Confusa com aquela declaração, desci com o pijama que usava, me perguntado se teria que começar a tomar fosfol. Como já era mais de 11 horas a noite, esperava um pouco de empatia e compreensão com minhas vestes. Ao chegar no carro, o homem que tinha feito a reclamação já veio se desculpando, dizendo que não sabia que aquela vaga era minha e sem energia para discutir, só fiquei feliz que não estava tão louca. Me voltei para subir de volta ao apartamento e o telefone tocou era o Mr A. Respirei duas vezes, e abri a porta do elevador, naquele momento só consegui prestar atenção na pessoa que estava ali dentro.

A.M.

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