O vizinho ao lado

Sabe aqueles dias em que nada dá certo? Quando ainda não são nem 10 horas da manhã mas a sua caixa de e-mail já está lotada, você tem uma reunião do trabalho marcada para começar em 15 minutos e sua internet simplesmente não funciona. Com os cabelos ainda molhados, corre em direção a cafeteria mais próxima para conectar ao WiFi, e quando enfim conecta tudo, percebe que colocou a blusa do lado errado.

Tudo está um caos, seu humor está desumano, e parece que todo esse esforço não valeu de nada porque a reunião foi 0% produtiva. Então, alguém ao lado pede para que você olhe as suas coisa enquanto vai ao banheiro. Você educadamente concorda evitando o contato visual, e se pergunta o porquê um estranho confiaria em uma pessoa que parece uma sociopata. Tentando focar na demanda do dia, escuta a música da sua banda favorita sair pelos fones de ouvido que ele deixou em cima da mesa. Começa a olhar a tela do computador, repara no papel de parede da tela e o que tem dentro da mochila que se encontra aberta.

O estranho volta a mesa e você elogia o bom gosto musical e este simples gesto da início a uma conversa que estende para o almoço, e depois se torna um convite para um encontro. No momento em que falam sobre gostos, aspirações e vontades, tudo o que incomodava se torna detalhes. As pontas do cabelo pingando se tornam refresco, a camiseta do lado errado agora é tendência do último fashion week, e a vontade de xingar a operadora por não oferecer internet de qualidade, vira um agradecimento.

Morar em uma cidade grande pode fazer com que você se acostume com o volume de pessoas, e aprenda a focar no seu momento. Talvez se não fosse a música, ou a vontade de fazer xixi, a oportunidade de conhecer aquele alguém nunca nem passaria pela cabeça. Depois de refletir os hábitos que tenho em vagar de um lado para o outro, sem ao menos olhar quem está o meu lado me peguei questionando: se o par ideal estivesse apenas a dois passos de mim, seria capaz de perceber?

Já fazia um tempo que estava indiferente sobre o amor e esgotada de ouvir sobre par perfeitoO amor romântico parecia uma idealização, e só de pensar em flertar com alguém já sentia meu estômago revirar. Não me sentia atraente em nenhuma medida, e toda a minha autoestima tinha sido substituída por trabalho excessivo e mais de três xícaras de café por dia. O mais próximo que eu conseguia chegar de um relacionamento, era o compromisso de trocar a água e colocar comida para os gatos.

Desacreditada de qualquer projeto de paixão, aceitei que uma vida com status de solteira não é tão ruim como pensam, mas também não tem glamour como falam. Me deixei contaminar pelas responsabilidades do dia-a-dia e fui seguindo tudo de maneira mais automática.

Era apenas o começo da semana, mas já sentia o estresse e a falta de carisma. Na tentativa de otimizar tempo, escolhi ir presencialmente a empresa, evitando as mensagens de texto e tentando sanar demandas da melhor forma possível. O dia era longo, mas ao caminho do trabalho pude me distrair com o que o Pietro contava sobre seu final de semana no Rio de Janeiro.

Desde que ele e Vic decidiram viajar para o outro estado para assistir a um dos maiores eventos da América Latina, eu me perguntava todos os dias o que estava fazendo da minha vida pagando tão caro por míseros metros quadrados. Mas o que o Pietro contava não tinha nada a ver com aluguéis ou drinks superfaturados, na verdade, no caminho de volta para São Paulo ele conheceu alguém.

Pietro é a pessoa que consegue te surpreender com histórias inacreditáveis e fazer com que tudo isso não soe nem um pouco irreal. O jeito nada blasé de contar o tamanho, circunferência e até mesmo qualidade do objeto era uma de suas especialidades. Mas neste dia em especial, algo atravessou o destino e a garganta dele.

Foi na fila de despache das malas, que Pietro se viu incomodado com um cara que tentava furar a fila a qualquer custo. O homem vestia roupa esportivas e tanto sua atitude quanto seu peitoral eram bem inflados. Algo que deixava a irritação e o tesão de Pietro na mesma medida. Mas o problema de verdade veio quando ele percebeu que estava sem o seu documento, e teve que voltar para procurar na mala, tendo que deixar a fila e depois voltar tudo de novo.

Dentro do ônibus, percebeu que seu leito não seria individual, já que o número apontava para as fileiras de acentos compartilhados. Quando se aproximou do lugar marcado, percebeu que o Sr. Fura Fila já se encontrava sentado do lado da janela. A viagem estava programada para durar 8 horas, mas quando percebeu que o desconforto do homem ao lado e a tomada quebrada, tinha certeza que a sensação seria de 8 dias. Conforme a noite foi caindo, a temperatura no ônibus foi diminuindo, o que fez com que o vizinho do assento se encolhesse e se aproximasse mais de Pietro. Pode-se dizer que foi o moletom que descobriu o braço ou a atitude altruísta de Pedro em cobrir o Sr. Músculos, mas tudo pareceu acontecer para que o cara mais chato da viagem se tornasse a transa mais selvagem na BR-116.

Desci do carro e percebi que tinha meia hora livre antes de começar a trabalhar. Como o clima ainda estava gelado decidi ir um coffee shop novo que tem na região. A loja estava vazia então não tinha que me preocupar com nenhuma fila. Aproveitei para perguntar quais são as melhores opções para a pessoa que me servia. Distraída com as opções que tinha, ele sugeriu sua maior especialidade e percebi que tinha uma tatuagem peculiar no braço. Ele me contou um pouco da sua paixão por café e ao pegar o pedido, percebi que já tinha uma fila formada atrás de mim. Me despedi e segui rumo ao trabalho. Aquele era de fato era o melhor Chai Latte que eu já havia experimentado.

Ao chegar no trabalho, me deparei com o elevador parado, fazendo com que eu subisse tudo de escada. Quando cheguei na sala já estava atrasada. Abri o computador e compreendi que aquele dia seria agitado. Fui me organizando aos poucos e me preparando para a minha apresentação que aconteceria dali algumas horas. Até que entre um slide e outro, percebi que no copo de café ao lado do meu nome tinha uma carinha engraçada, e embaixo dela um número de telefone.

A.M.

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