Mesa para dois

Mais do que nunca, é incentivado olhar para a individualidade e compreender que não existe o “nós” sem antes existir o “eu”. Que doar só é possível se possuir algo, e todos já entenderam que máscaras de oxigênio cairão automaticamente, coloque-a sobre o nariz e a boca e respire normalmente, depois auxilie a pessoa ao seu lado. Hoje mais do que nunca, o amor romântico está sendo questionado, e a outra metade da laranja, na verdade, não passa de uma banda do completo.

Pronome em primeira pessoa a parte, em uma conversa com Mariah — ícone que carrega as verdades mais sinceras e as risadas mais altas — debatemos e concluímos que diversas coisas na vida são mais fáceis e acessíveis quando se é dois. Aluguéis se tornam mais baratos, comida é menos desperdiçada e desconfortos são evitados.

Em tempo que Hollywood fabrica mais filmes sobre trajetórias do que em finais felizes, não pude deixar de questionar… será que estamos preparados para bancar os dois pratos da mesa?

Na tentativa de comprar um livro de edição limitada, apostei no old-school e corri para a Paulista. Além de oferecer mais opções de lugares para procurar, em 3 km de extensão pode-se encontrar livrarias, sebos e sempre tem uma banca que vende muito mais do que impressos. Comecei a jornada pela estação Paraíso e acabei na Consolação, o que, ironicamente, pode ser um simbolismo para a minha frustração ao não achar o livro. Desta vez teria que ceder ao online. Mas para não perder a viagem, decidi olhar sapatos.

Arezzo, B, Corello, D, E… Martinez. Foi em uma ponta de estoque que encontrei o que diria ser meu “espírito animal” em formato de salto. A melhor parte é saber que o valor que foi pago é menor do que a parcela sem juros há duas semanas atrás. Mas a felicidade maior aconteceu ao sair da loja e dar de cara com a Martins Fontes.

Martins Fontes é uma das poucas livrarias que sobreviveram à drástica transição das lojas físicas para digitais. Com estantes carregadas de livros do chão até o teto, o estabelecimento oferece mais do que escadas divertidas e lançamento de livros, como vendem o melhor Cheesecake da cidade. Para quem gosta de livros em promoção, o terceiro andar sempre tem variedades deles sendo vendidos a todo momento.

Com a sorte mudando de lado, procurei um lugar para sentar com o livro achado, e dei uma chance para ele me convencer se deveria o levar para casa. Bastaram quatro parágrafos e uma analogia engraçada para relaxar na cadeira estofada da cafeteria e sorrir para páginas amareladas.

Sem perceber o tempo passar, minha leitura é interrompida por um “esse lugar está vago?”. Mesmo observando que tinha outros lugares para sentar, consenti sem hesitar. Foram dois cafés coados, dois livros de títulos embaraçosos e um convite para ir ao parque.

Ainda continuo me questionando se quero dividir a conta ou pagar pela minha liberdade, mas talvez, de vez em quando, seja interessante deixar alguém sentar e dividir a mesa para dois.

A.M.

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