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Em São Paulo, se perder entre uma rua e outra é mais comum do que parece. Mesmo que você more no mesmo bairro há anos, vai se questionar se determinada rua sempre foi contramão, ou desde quando o antigo comércio da esquina se transformou em um coworking. Contudo, ironicamente, a partir do momento que conhece um lugar novo e passa a frequentá-lo regularmente, o estabelecimento se torna a sua casa. Você passa a saber quais são os melhores dias para aparecer, quais são os melhores drinks da casa, também qual o melhor bartender para te atender, e claro, se alguém decidir vendar seus olhos, você sabe exatamente como chegar.

Foi em uma sexta-feira de inverno, que na tentativa de economizar grana, prometi que ficaria em casa sem grandes aventuras — o que sempre me faz questionar se ainda tem algum santo que acredite nas promessas antes do happy hour. Parecia que já era primavera quando enfim a caiu a noite, a temperatura estava acima de vinte graus e o céu estrelado. Como meu repertório já está um pouco falido, bastou o BaoBar postar a promoção do drink daquele dia no Instagram, para eu correr e chamar a única pessoa que entende que sinais não são brincadeira.

Louise e eu somos amigas desde a adolescência. Temos apenas 10 dias de diferença, o que nos torna obcecadas em enaltecer o nosso signo. É engraçado como depois de longos anos a amizade vai mudando e se reinventando. Depois de tantas histórias juntas, é como se sempre compartilhassem de algo que só a gente entende, mas se você perguntar o que é, nenhuma das duas sabe explicar.

Não demorou muito até Louise aparecer com sua maquiagem impecável em um Uber. Fazer os melhores delineados é apenas uma das suas milhares de habilidades. Mas confesso que a que eu mais gosto é a de sempre possuir um vocabulário impecável com palavras de significados múltiplos e únicos para responder qualquer comentário genérico.

Bao com sua decoração divertida e mesas de madeira está localizado ao lado do Bengô, que (boatos) fica perto do Buraco. Sabíamos que ali seria só um pivô para outro lugar, mas tentando manter o combinado de apenas um drink e casa, nos vimos trocando o B pelo P.

No caminho paravo que já há um tempo tem sido um lar para todos os meus amigos e eu, notei um algo diferente. Com paredes de tijolos, luzes penduradas na faixada e cadeiras do lado de fora, imediatamente comentei com Louise que seria interessante um dia darmos a chance de conhecer o lugar.

Como São Paulo nunca vai oferecer o óbvio e entregar o que as pessoas esperam, naquela noite o Picles passou de salvação para desastre total. Talvez o horário ou apenas o dia errado, mas naquele momento foi comprovada a teoria que lar é onde nos sentimos bem.

Não demorou muito, até decidirmos ir embora e procurar outro lugar. Depois do limão azedo da caipirinha e do amigo do guitarrista, aceitamos que ali não era mais o nosso lugar. Mas como tudo nessa cidade pode se tornar uma possibilidade, arriscamos algo novo.

Nada mais sarcástico do que o local que tinha avistado se chamar Pensão Bar. Como o próprio nome diz, o lugar oferece ambientes com todo o conforto e estrutura de um casa. As comandas são chaves e cada ambiente é decorado como se fosse um cômodo. E sem perceber a hora passar, fomos expulsas do local.

No caminho de volta, depois de tudo o que aconteceu na noite, algo me intrigou e me fez questionar o quanto nos privamos de experiências incríveis pelo apego ao que já conhecemos. Talvez a pensão nunca seja o meu lar, mas foi incrível dar uma chance a algo novo. Nesses momentos é como se uma porta que nem parecia estar ali abri-se para você. Entretanto, no dia seguinte ao acordar, notei que para quem tem muita certeza, a dúvida sempre persegue.

A.M.

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